Poster do filme
O
“angry young man” (“jovem raivoso”, em inglês) é um tema bastante recorrente no
cinema. Filmes como Juventude Transviada,
Sementes da Violência, Warriors – Os Selvagens da Noite, Colors – As Cores da
Violência, Kids, entre outros mostram essa ira jovem geralmente ligada a
uma vida atribulada e/ ou na marginalidade. O filme francês De Cabeça Erguida segue essa
tradicional linha cinematográfica.
De Cabeça Erguida conta a história do jovem Malony (o estreante Rod Paradot) que, desde a mais os seis anos de idade, está
envolvido em furtos e, posteriormente, agressões. Sua mãe, Séverine (Sara Forestier, de Perfume: A História
de Um Assassino), é uma drogada e uma relapsa, que não cuida de seus filhos
como se deve – apesar de amá-los verdadeiramente. A juíza Florence Blaque (Catherine Deneuve, de Indochina)
procura orientá-lo e colocá-lo no bom caminho toda vez que o rapaz aparece no
tribunal.
Yann
(Benoît Maginel, de A Professora de
Piano) é um ex-jovem marginal que é indicado como tutor para Malony pela juíza
Blaque. Malony é enviado para uma instituição no interior e lá conhece Tess (a
também iniciante Diane Rouxel),
filha de uma funcionária por quem se apaixona e começa a se relacionar. O rapaz
tenta adaptar-se a uma vida normal, mas sua difícil personalidade continua a
lhe trazer problemas até finalmente ser enviado para uma prisão para jovens
infratores.
Para
surpresa de muitos, De Cabeça Erguida
foi indicado para ser o filme de abertura do Festival de Cannes deste ano, ao
invés de uma habitual grande produção. Entretanto, ao se assistir o filme,
percebe-se que foi uma decisão acertada, visto ser uma produção bem acima da
média ainda que lidando com um tema que desperta a atenção de poucos: o serviço
público e o sistema judicial francês. Mesmo quem não é de algum desses ramos de
trabalho acompanha com interesse o desenrolar da história.
Alguém
pode dizer que as prisões francesas não se comparam com o verdadeiro inferno
que são as prisões brasileiras – tanto para adultos como para jovens. Ainda que
isso seja verdade, diz o velho ditado: “Mesmo sendo feita de ouro, uma gaiola é
sempre uma gaiola”. Chama a atenção que, apesar de Malony cometer atos cada vez
mais graves, o sistema local sempre tenta reabilitá-lo de algum modo e o trata
como um ser humano. Para muitos brasileiros isso pode parecer algo utópico,
principalmente para aqueles que acham que “bandido bom é bandido morto”,
independente da idade.
A
diretora e atriz Emmanuelle Bercot
(de Ela Vai e vencedora do prêmio de
Melhor Atriz no Festival de Cannes de 2015 por Mon Roi), que também é a autora do roteiro juntamente com Marcia Romano (de Pelo Amor de Deus!),
optou por uma direção inquieta em estilo documental, o que dá um tom bastante
realista ao filme e sua direção de atores mostrou-se excepcional que levou a
interpretações igualmente excepcionais. A fotografia de Guillaume Schiffman (de O Artista) é muito boa ao mostrar as belas
paisagens do interior da França e o triste ambiente da prisão.
Entretanto,
o ponto forte é o seu elenco que, como já foi dito, tem atuações excepcionais,
a começar pela coadjuvante Sara
Forestier, vencedora do Prêmio
César (o Oscar francês) de Melhor Atriz de 2011, que está bastante convincente
como a mãe desmiolada e viciada em drogas de Malony, a ponto de muitos quererem
dar uns safanões nela por não cuidar dos filhos direito.
A
personagem de Diane Rouxel, Tess,
faz o estilo “tomboy”, que pratica savate (uma luta semelhante ao full contact
e que também é conhecida como “boxe francês”), um corte de cabelo bastante
curto, que lhe dá um aspecto masculino e que a deixa muito parecida com Malony
que, apesar da diferença de sexo e da inevitável atração física, a vê como uma
igual, um reflexo no espelho. Porém, como é sabido, o espelho reflete ao
contrário: ao invés da brutalidade, a delicadeza; educação no lugar da falta
dela; o amor suplantando a raiva.
É
preciso dizer que, contrário do que se pensa, meninas “tomboy” não são,
obrigatoriamente, lésbicas. Embora algumas, de fato, sejam, isso não é regra.
No Brasil, o termo equivalente a “tomboy” é “Maria rapaz”, isto é, uma menina
criada como um menino (algo ainda muito comum no interior do nosso país) e isso
não interfere, necessariamente, em sua orientação sexual.
Benoît Maginel dá
a seu personagem, Yann, uma sensibilidade inesperada no tipo de seu personagem,
um ex-delinquente. Yann vê em Malony ninguém menos que a si mesmo em sua
juventude. É comovente ver o sentimento de impotência de Yann diante da
imprevisibilidade e da raiva incontida de seu tutelado. Essa performance
surpreendente valeu a Maginel o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cabourg
(França) deste ano.
Aos
72 anos, Catherine Deneuve continua
linda e, como os melhores vinhos franceses, suas atuações melhoram com o passar
do tempo. Sua performance como juíza de menores vai desde um amor maternal para
com os jovens a quem tenta ajudar até uma atitude firme quando é necessário
como, por exemplo, na cena no tribunal da sentença de Malony, que o leva à
prisão. Mesmo tendo uma aparência dura nessa decisão tão difícil, ainda assim
podemos perceber como ela sofre por dentro por mandar o “seu” menino para trás
das grades.
O
novato Rod Paradot é uma grande e
agradável surpresa. Há muito tempo, mas muito tempo mesmo, não se via um “angry
young man” como ele: uma raiva incontrolável, sempre em pé de guerra com o
mundo; a dificuldade em se relacionar com as pessoas, incluindo a garota que
ama; o desprezo pela sociedade e suas instituições – mesmo que algumas tenham a
vontade sincera de ajudá-lo. A cada erro cometido sua situação piora, mas,
ainda assim, a plateia torce por ele, até mesmo quando ele vai para a prisão.
Sua atuação lhe valeu o prêmio de Revelação Masculina no Festival de Cabourg
deste ano. Se sua carreira for bem trabalhada, poderá ser o grande ator francês
dos próximos anos.
Apesar
de algumas cenas serem repetitivas (como nas idas de Malony ao gabinete da
juíza), o público pode ir ao cinema assistir De Cabeça Erguida com a certeza que irá ver um filme muito bom. E
mais do que isso: um filme importante, pois, em uma época na qual se discute a
redução da maioridade penal em nosso país, com ardentes defensores de ambos os
lados da questão, este filme irá levar a uma reflexão mais do que necessária.
RESUMO DO FILME
Desde
os seis anos de idade que o jovem Malony pratica furtos e agressões.
Negligenciado por sua mãe, ele é ajudado por juíza que tenta colocá-lo no bom
caminho.
COTAÇÃO
Ótimo.
Veja aqui o trailer oficial do filme De Cabeça Erguida (Legendado - HD):
Publicado no Observatório do Cinema em !7/09/2015 e no LinkedIn em 26/09/2015.
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