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sábado, 30 de dezembro de 2017

FELIZ ANO NOVO!!!


Adeus, ano velho, feliz, ano novo, diz a famosa canção. E, como em todos os anteriores, vamos ter lembranças do ano que passou. Algumas boas, outras nem tanto, mas sempre com a esperança renovada a cada ano novo que chega.

Neste ano, Panorama do Cinema passou por um momento de transição, o que nem sempre é fácil, porém sempre procurando fazer aquilo a que propõe desde o seu início: oferecer a vocês, cinéfilas e cinéfilos que nos acompanham e prestigiam, os melhores textos, matérias, artigos e críticas possíveis, sempre feitos com muito carinho por respeito a vocês e por amor ao Cinema.

Por isso, Panorama do Cinema deseja a todos, um FELIZ ANO NOVO! e tudo de bom a todos - de preferência assistindo um bom filme com pipoca, refrigerante e chocolate para acompanhar.

E, como em todo Réveillon que se preze, temos nossos fogos de artifícios, mas vistos de um modo diferente: visto de um drone.

Veja aqui os nossos fogos de artifício (HD):


Novidade | Panorama do Cinema tem novo critério de classificação


Panorama do Cinema tem uma novidade para vocês, cinéfilas e cinéfilos que nos acompanham. Agora nossas cotações de filmes são "estreladas", isto é, agora usamos de zero até cinco estrelas para classificar os filmes que analisamos para vocês seguindo a tendência dos demais sites, blogs e publicações que também usam esse sistema. Também usamos uma fração para ajudar na classificação. 

Veja abaixo o significado de cada cotação que usaremos de hoje em diante.
  • ⊘ / ½: péssimo 
  • ⭐ / ⭐ ½: fraco
  • ⭐⭐ / ⭐⭐ ½: regular
  • ⭐⭐⭐ / ⭐⭐⭐ ½: bom
  • ⭐⭐⭐⭐ / ⭐⭐⭐⭐ ½: ótimo
  • ⭐⭐⭐⭐⭐ : excelente
Espero que gostem do nosso novo critério de classificação.



quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Crítica: O Jovem Karl Marx | O Manifesto de Jovens Comunistas



A juventude é um período decisivo na formação de uma pessoa, pois é durante esse mesmo período no qual a infância já foi deixada para trás e, após o período turbulento - mas, inevitável e necessário - da adolescência, no qual tudo e todos são questionados, começa a transição para a fase adulta, que irá ocupar e dominar o restante da vida de homens e mulheres. É o amadurecimento de ideias, conceitos e atitudes acumuladas e refletidas anteriormente e se torna a bússola a ser seguida daí por diante. Os homens e mulheres que estão nesse período são chamados de jovens adultos. 

Há vários exemplos de como esses jovens adultos podem sacudir o mundo com essas mesmas atitudes, conceitos e ideias. Nos esportes, podemos citar o futebolista brasileiro Pelé, campeão mundial com apenas 17 anos de idade; na esfera musical, a banda de Rock britânica The Beatles que, ao atingirem o sucesso global e mudarem completamente a música popular, tinham uma idade média de 20 anos; e, no cinema, o cineasta estadunidense Steven Spielberg que, aos 29 anos, inaugurou a era dos "Blockbusters" ("Arrasa-Quarteirões") com o filme campeão de bilheteria e vencedor de três Oscars, Tubarão (1975).

Os exemplos se estendem à política, sociologia, filosofia e economia com a publicação d' O Manifesto do Partido Comunista, de autoria do então jovem alemão Karl Marx (1818-1883) e do igualmente alemão e jovem Friedrich Engels (1820-1895). É sobre esses jovens adultos germânicos que o filme O Jovem Karl Marx irá contar. 

Karl Marx (o alemão August Diehl, de Trem Noturno para Lisboa) é um jovem jornalista de 26 anos que trabalha para o jornal Gazeta Renana que, devido aos seus incisivos artigos contra o governo da então Prússia (que, posteriormente, integraria a Alemanha), é preso pelas autoridades e exilado em Paris junto com a sua esposa, Jenny  von Westphalen (a atriz de Luxemburgo, Vicky Krieps, de Amor e Revolução). 

Friedrich Engels (o também alemão Stefan Konarske, de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas), de 24 anos, é o filho de um rico industrial e reside na cidade de Manchester, Inglaterra, onde também está a fábrica de seu pai. Friedrich está impressionado com a miséria em que vivem os operários e não concorda com o modo como são tratados pelos patrões, principalmente quando uma operária irlandesa, Mary Burns (a britânica Hannah Steele, de O Destino de Uma Nação), é demitida por protestar contra esses mal tratos. Friedrich vai a procura de Mary para pedir ajuda para um livro que está escrevendo e nasce um romance entre ambos.

Engels vai a Paris e lá conhece Marx, com quem tem uma afinidade intelectual imediata. A partir daí, nasce uma grande amizade e ambos irão, com todas as suas forças, dedicarem-se à causa dos trabalhadores explorados pelos ricos e na construção do movimento comunista internacional.

Durante a ditadura militar que tiranizou e infernizou o Brasil por mais de 20 anos, Karl Marx e Friedrich Engels eram vistos pelos militares como dois demônios comunistas, enquanto a oposição os via como duas figuras míticas - o jornalista, escritor e político Fernando Gabeira chegou a dizer uma vez que Marx era "como Papai Noel". Seu livros eram terminantemente proibidos e, simultaneamente, avidamente procurados.  

Foi nessa época - eu tinha por volta de 15 anos - que tive meu primeiro contato com uma obra de Marx. Um colega de escola, com muita coragem e correndo um grande risco, trouxe para nós, da turma, vermos (escondidos, claro) nada mais nada menos que o primeiro volume de O Capital. Todo mundo ficou de queixo caído em ver o livro proibido e, como ato de desobediência civil, pedi emprestado para ler. Li a primeira página e parei. Não entendi nada.

Entretanto, a ditadura acabou, saiu pela porta dos fundos, e os livros de Marx e Engels, assim como de outros autores socialistas, deixaram de ser proibidos. Adquiri O Manifesto, li e, desta vez, entendi. Logo percebi algo: Engels e Marx não eram nem demônio, nem Papai Noel, mas dois grandes escritores intelectuais cuja obra não só resiste ao tempo como permanecem atuais, especialmente nesta época de feroz neoliberalismo econômico e político com retirada de direitos sociais e trabalhistas.

Quem for assistir O Jovem Karl Marx, deve achar que irá ver um filme panfletário, principalmente levando-se em conta que o cineasta haitiano Raoul Peck é um conhecido ativista político. Não deixa de ser verdade, pois o tom do filme é, decididamente, de esquerda. Porém, Peck teve o cuidado de não transformar a película em uma peça de propaganda de um partido e/ou governo embora seja, sem dúvida, uma obra ideológica. 

O Jovem Karl Marx procura mostrar as ideias que movimentam os personagens e como elas se aplicam na realidade cotidiana. Isso pode ser visto logo nas cenas iniciais nas quais Marx narra um conceito de propriedade enquanto, em terra alheia, camponeses pobres catam galhos de árvores do chão para usar como lenha e são punidos como criminosos ou, mais adiante, quando cita sua famosa frase "Os filósofos limitam-se a interpretar o mundo. O mais importante é transformá-lo".

Um mérito do filme é mostrar os personagens não apenas como homens e mulheres, mas, acima de tudo, como humanos, com qualidades, defeitos e manias, sem endeusá-los nem endemoniá-los. Eu mesmo fiquei surpreso ao constatar que Engels e Marx eram apreciadores de um bom charuto, algo que, de fato, não sabia.

Outro mérito do filme é o de dar a Friedrich Engels o seu devido valor. Explico: mesmo entre alguns militantes de esquerda, Engels sempre teve um papel coadjuvante em relação a Marx. Karl era um grande gênio e Friedrich, o seu amigo, mas pouco além disso, o que é uma grande injustiça. 

O filme demonstra que a influência de Engels sobre Marx foi decisiva tal como é visto na cena na qual aconselha o amigo a estudar os grandes economistas ingleses como, por exemplo, David Ricardo (1772-1823). E sempre vale a pena lembrar que Engels também é o autor de grandes obras econômicas, políticas e filosóficas tais como Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1880); A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), e A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845), que foi o livro que chamou a atenção de Marx - que o considerava um trabalho colossal - sobre seu amigo mais novo.

Mais um mérito do filme: o de mostrar as contradições e injustiças do sistema capitalista e a hipocrisia da classe burguesa para com o proletariado sem nenhum tipo de moralismo vulgar e barato. Uma cena que demonstra isso é quando Marx e Engels discutem com um típico industrial inglês sobre o trabalho de crianças nas fábricas. Logo percebe-se que qualquer semelhança daquela época com os dias de hoje, seja com crianças ou adultos, não é mera coincidência... 

E, além disso há a ingenuidade e arrogância dos socialistas utópicos e anarquistas, tendo estes como seu principal nome Pierre Proudhon (o francês Olivier Gourmet, de O Filho), que, ao invés de fazerem análises e estudos científicos da política e economia, ficam a construir castelos no ar.  

Raoul Peck tornou-se conhecido pelo grande público na cerimônia do Oscar deste ano, com o seu filme Eu Não Sou Seu Negro (2016), sobre o escritor negro estadunidense James Baldwin (1924-1987), que concorreu ao prêmio de Melhor Documentário. Mas, sua carreira em filmes para o cinema e a TV já tem quase 40 anos, com conquista de prêmios em vários festivais de cinema ao redor do mundo. 

Outros trabalhos seus que se destacam são Lumumba (2000), sobre o ex-primeiro-ministro e líder da independência da República do Congo (atualmente República Democrática do Congo), Patrice Lumumba (1925-1961); e Abril Sangrento (2005), filme feito para o canal de TV a cabo HBO sobre o genocídio em Ruanda, com Idris Elba (Thor: Ragnarok) e Debra Winger (Laços de Ternura) no elenco.

Peck tem uma direção firme e segura, principalmente na direção de atores, conforme veremos mais adiante. É um grande cineasta político e de denúncias ao nível de um Costa-Gavras (Desaparecido, Um Grande Mistério. Veja aqui uma entrevista dele). Porém ainda tem a mão um pouco dura para o humor como, por exemplo, em uma cena em que Marx, com pouco dinheiro, vai comprar charutos baratos. Poderia ter feito algo mais engraçado. Mas, apesar disso, para mim, é uma questão de tempo Peck ser, no mínimo, indicado ao Oscar de Melhor Diretor.

O elenco de O Jovem Karl Marx está particularmente muito bem na fita.

August Diehl tem uma ótima atuação como Marx e o interpreta tal como as pessoas imaginam que o Revolucionário era: polemista implacável, em particular com Proudhon, mas um marido e pai amoroso, com um grande senso de honra (se incomoda em ficar pedindo dinheiro emprestado); bem humorado e bastante sarcástico. Alguns críticos de cinema disseram que é uma visão estereotipada, mas quem ler uma de suas obras como, por exemplo Crítica ao Programa de Gotha (1875), ficará surpreso em ver esse sarcasmo em um texto político.

Stefan Konarske tem a sua carreira mais centrada na televisão alemã, principalmente em séries. No cinema, é um nome ainda novo (O Jovem Karl Marx é o seu terceiro filme), mas tem a postura de um veterano. Sua atuação está no mesmo nível de Diehl, e interpreta um Engels altruísta, irônico, romântico, mas tão Revolucionário quanto Marx. O entrosamento dos dois atores é simplesmente perfeito, tal como era o de Marx e Engels.

Vicky Krieps e Hannah Steele estão igualmente ótimas como Jenny  e Mary, as esposas de Karl e Friedrich. Ambas convencem na sua interpretação de mulheres de personalidade, nada  caseiras, insubmissas e emancipadas (algo inimaginável no século XIX), com Jenny sendo mais refinada devido a sua educação aristocrática, enquanto Mary já é mais dura por causa de sua vida como proletária. Mas, são os opostos que se atraem tanto na amizade das duas quanto no casamento com seus respectivos maridos. Mérito das intérpretes.

Sou de opinião que o filme deveria se chamar Os Jovens Karl Marx e Friedrich Engels, visto que é impossível falar de um sem falar de outro. E flui tão bem na tela que mal se sente o tempo passar. Talvez não devesse focar apenas na juventude dos personagens, deveria ter ido além, até a velhice. Vai ver não havia capital suficiente...

O Jovem Karl Marx é falado em inglês, francês e alemão, para atingir os principais pólos de cinema do mundo e, além do mais, o uso desses idiomas dá um caráter internacionalista ao filme.

A perfeita reprodução de época aliada à bela fotografia do alemão Kolja Brandt (Hector e a Procura da Felicidade) e a grandiosa trilha sonora do russo Alexei Aigui (Algo de Bom), fazem de O Jovem Karl Marx um espetáculo de primeiríssima linha, tanto que já começa a colher os frutos de sua produção impecável. 

O filme teve sua Première Mundial no prestigioso Festival de Berlim (exibido fora de competição). Na França, conquistou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro (de autoria de Raoul Peck junto com Pascal Bonitzer, de Gemma Bovery) no Festival Internacional du Film de Fiction Historique, dedicado a filmes históricos; e, nos EUA,  conquistou o Grande Prêmio Founders no Festival de Traverse City, dedicado ao cinema independente, e que tem, como um de seus fundadores e atual presidente, o polêmico e genial cineasta e documentarista estadunidense Michael Moore (Fahrenheit 11 de Setembro). 

A "grande mídia" brasileira ficou meses em silêncio sobre O Jovem Karl Marx. Se não fosse por algumas pessoas que fizeram o upload do filme nas redes sociais, teria passado completamente em branco. Sete meses após o seu lançamento no exterior, foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e finalmente, começaram a aparecer as primeiras matérias e críticas da obra por aqui, embora fosse possível perceber uma certa má vontade. E o lançamento comercial está ocorrendo somente agora, prestes a entrarmos em 2018! 

Boicote? Se lembrarmos que o que ocorreu com o grande filme brasileiro Aquarius, preterido pelo atual governo brasileiro - tido por milhões de pessoas como golpista - para ser o candidato do país ao Oscar de Filme Estrangeiro devido ao protesto de equipe e elenco contra o impeachment de Dilma Rouseff durante o Festival de Cannes de 2016, não é uma ideia descabida.  

O Jovem Karl Marx é um filme muito bom, esclarecedor, desmistificador, necessário, inspirador e que chegou na hora certa, em um momento em que grupos autodenominados "democráticos e liberais" fazem  campanha, pressão e censura contra exposições de arte; "humoristas" fazem programas de TV e filmes para o cinema com piadas de mau gosto, racistas, homofóbicas, misóginas, gordofóbicas e, quem não gosta ou não concorda, deve ser "enquadrado"; igrejas "cristãs" com tolerância zero para quem ousa ter outra crença; e "reformas" educacionais, trabalhistas e previdenciárias que reduzem as pessoas à condição de mão-de-obra barata e massa de manobra.

Tem razão Jenny quando diz no filme que felicidade requer rebelião e, numa época na qual a humanidade parece estar indo para atrás em todos os aspectos, mesmo com o grande desenvolvimento tecnológico atual, é preciso, mais do que nunca, rebelar-se contra estes tempos sombrios para se obter a felicidade de uma vida digna. E sempre vale a pena relembrar as palavras de ordem do Manifesto dos jovens comunistas Marx e Engels:


TRABALHADORES DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!


FICHA TÉCNICA
  • Título Original: Le Jeune Karl Marx
  • Direção: Raoul Peck
  • Elenco: August Diehl (Karl Marx), Stefan Konarske (Friedrich Engels), Vicky Krieps (Jenny von Westphalen), Olivier Gourmet (Pierre Proudhon), Hannah Steele (Mary Burns)
  • Roteiro: Raoul Peck e Pascal Bonitzer
  • Música: Alexei Aigui
  • Fotografia: Kolja Brandt
  • Duração: 118 minutos
  • Ano: 2017
  • Lançamento comercial no Brasil: 28/12/2017

RESUMO DO FILME
Conta a juventude de Karl Marx, período no qual ele luta para expor sua ideologia, o início de seu casamento com Jenny von Westphalen e a sua amizade com Friedrich Engels.
COTAÇÃO
              ⭐⭐⭐⭐½

Veja o trailer oficial de O Jovem Karl Marx (legendado - HD):


Publicado no LinkedIn, em 29/12/2017, e no Adoro Cinema, 03/01/2018.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Crítica: A Origem do Dragão | Uma Lenda de Bruce Lee



O sino-estadunidense Bruce Lee (1940-1973) tornou-se o símbolo máximo e uma lenda das artes marciais como praticante, instrutor e, principalmente, como astro do cinema. Isso se deve não somente ao seu estilo único e revolucionário de lutar, mas também por ter sido um bom ator, de reconhecida competência. Antes de fixar residência nos EUA, já havia participado em mais de 20 filmes em Hong Kong (desde que era um bebê até chegar à adolescência!). Na América, fez várias participações em seriados de TV, sendo que alguns deles conhecidos no Brasil como, por exemplo, Ironside (1967-1975), As Noivas Chegaram (1968-1970) e Batman (1966-1968, Santa participação especial, Batman!). Sua estréia no cinema de Hollywood foi no filme policial Detetive Marlowe em Ação (1969) estrelado por James Garner (de Maverick), no qual fez o seu único papel de vilão.

Porém, foi o seriado O Besouro Verde (1966-1967) - no qual interpretava o auxiliar do herói, Kato - que voltou a abrir-lhe as portas para o cinema de Hong Kong (lá, o programa chamava-se O Show do Kato) e permitiu que realizasse as produções que, assim como seu estilo de luta, revolucionaram os filmes de Kung Fu que até então eram feitos.


Para aqueles que não sabem, antes de Bruce, os filmes de Kung Fu eram todos passados na época antiga da história da China. A explicação para isso era simples e muito lógica: por mais demoníaca que seja, nenhuma arte marcial resiste a um tiro de revólver. Aliás, basta ver o primeiro filme da franquia Indiana Jones - Os Caçadores da Arca Perdida - para constatar essa lógica na famosa cena de Indiana Jones contra o vilão espadachim na qual a platéia vai, em apenas alguns segundos, do suspense a uma explosão de gargalhadas.


"E como os filmes de Bruce Lee revolucionaram o cinema de Kung Fu?", pode perguntar alguém. A explicação é igualmente simples: passar os filmes na época atual e ignorar a "lógica do revolver". A fórmula deu tão certo que é seguida até hoje.

Os filmes feitos por Bruce em Hong Kong foram um grande sucesso na Ásia e se tornaram clássicos do gênero: O Dragão Chinês (1971), A Fúria do Dragão (1972, que tem um final antológico), O Vôo do Dragão (1972, que ficou marcado por ser a estréia de Bruce na direção e pela participação de Chuck Norris no único filme no qual é morto no final) e o inacabado O Jogo da Morte (1972), do qual voltaremos a falar mais à frente. 

Em 1973, Bruce Lee atuou em Operação Dragão, a primeira co-produção de Hollywood com Hong Kong (dos estúdios Warner Brothers e Golden Harvest) que tornou-o um astro internacional e ainda lançou nomes que, posteriormente, também fariam sucesso como astros de Kung Fu: o estadunidense Jim Kelly (de Jones, o Faixa Preta), e os chineses Bolo Yeung (O Grande Dragão Branco), Sammo Hung (da série de TV Um Policial da Pesada) e Jackie Chan (franquia A Hora do Rush, e maior nome dos filmes de Kung Fu da atualidade, tendo recebido um Oscar honorário, em 2017).

Então, aconteceu aquilo que ninguém esperava: em 20 de julho de 1973, aos 33 anos incompletos, e três semanas antes da estreia de Operação Dragão, Bruce Lee morreu de um edema cerebral (inchaço no cérebro) em circunstâncias ainda hoje mal explicadas e que geraram teorias de conspiração que iam desde envenenamento até mesmo um golpe fatal com efeito retardado!

Foi a partir de sua surpreendente, trágica e inesperada morte que Bruce Lee se tornou lenda e ícone Pop. Até aí, nada de estranho, pois acontece com muitos artistas falecidos terem a sua carreira cultuada após o passamento. Porém, o que veio depois é que foi de lascar...


Dizem que o maior tipo de traição é contra aqueles que morreram, pois eles não tem como defenderem-se dessa agressão. E Bruce Lee deve ter rolando na tumba com as traições que vieram após a sua partida desse mundo. Para começar, a Bruceploitation, uma onda de filmes de Kung Fu - a maior parte de baixíssima qualidade - com "clones" de Bruce imitando todos o trejeitos e maneirismos de seus filmes e, se não bastasse, até o seu nome. Confiram a lista de nomes de alguns desses "clones":

  • Bruce Li
  • Bruce Lie
  • Bruce Le
  • Bruce Lei
  • Bruce Ly
  • Bruce Lai
  • Bruce Liang
  • Bruce Ree
  • Bruce K. L. Lea
  • Brute Lee
  • Dragon Lee
  • Myron Bruce Lee
  • Bronson Lee
Mesmo quem não é fã de Bruce Lee ou de filmes de Kung Fu, ao ver essa lista, não deixa de sentir vergonha alheia...

Mas, o pior ainda estava por vir: O Jogo da Morte, o filme inacabado de Bruce, foi lançado postumamente, em 1978,  e de modo muito inescrupuloso utilizando não apenas as cenas gravadas por Bruce (que inclui uma luta com o astro do basquetebol estadunidense Kareem Abdul-Jabbar) junto com cenas novas gravadas por um "clone", mas também as do seu funeral! E, como se não fosse o suficiente, ainda tiveram a coragem de lançar uma sequência, O Jogo da Morte 2!


A pá de cal veio em 1986 com o lançamento do filme Retroceder Nunca, Render-se Jamais. Nessa "bomba", o fantasma de Bruce Lee - interpretado por um "clone"- aparece para ensinar um garoto os segredos do Jeet Kune Do (estilo de luta criada por Lee) a fim de enfrentar bandidos que querem destruir a academia de artes marciais de seu pai. O único mérito do filme foi o de ter revelado o artista marcial belga Jean-Claude Van Damme (Os Mercenários 2).

Essa situação grotesca só iria mudar em 1993, exatos 20 anos após a morte de Bruce, com o lançamento do filme Dragão: A História de Bruce Lee, com direção de Rob Cohen (franquia Velozes e Furiosos) e com Jason Scott Lee (de O Livro da Selva. Jason, apesar do sobrenome, não é nenhum "clone") no papel principal. O filme é uma respeitosa e emocionante biografia, baseada quase que inteiramente no livro Bruce Lee: The Man Only I Knew (Bruce Lee: O Homem Que Apenas Eu Conheci) escrito pela víúva de Bruce, Linda Lee, foi um sucesso de público e crítica e resgatou o bom nome do Mestre do Jeet Kune Do. E para aumentar a emoção, o filme foi dedicado ao filho de Bruce e Linda, Brandon Lee (O Corvo), morto apenas dois meses antes em circunstâncias igualmente mal explicadas...


A passagem de Bruce Lee por este mundo é um daqueles casos no qual a vida se confunde com a arte e acaba por gerar lendas que, como sabemos, sempre tem um fundo de verdade. E é uma dessas lendas que nos é contada em A Origem do Dragão.


O ano é 1965. Bruce Lee (o artista marcial chinês Philip Ng) vive já há alguns anos nos EUA e tem uma escola de artes marciais frequentada, entre outros, por Steve McKee (o estadunidense Billy Magnussen, de Ponte dos Espiões), um jovem triste, solitário e que busca um objetivo na vida. Enquanto isso, na China, o Mestre Shaolin Wong Jack Man (o também chinês Xia Yu, de Amor) participa de uma exibição contra um Mestre de Tai Chi Chuan. No calor da luta, perde o controle e quase mata o seu adversário. 


Como autopenitência, Wong Jack Man decide ir até San Francisco, nos EUA, onde irá trabalhar como lavador de pratos em um restaurante até sentir que pagou pelos seus pecados e, assim, poder retornar para a China em paz. Steve lê em um jornal sobre a chegada do Mestre Shaolin e vai até o porto recebê-lo. Bruce também fica sabendo da chegada de Wong e fica preocupado, pois sabe que ele é o único que pode igualá-lo - e até vence-lo - em uma luta. Movido pelo orgulho, Bruce Lee lança um desafio a Wong Jack Man: uma luta sem regras que irá decidir o destino de ambos.


É inevitável uma comparação entre A Origem do Dragão e Dragão: A História de Bruce Lee, pois ambos falam sobre a vida de Bruce, embora o primeiro seja sobre um episódio específico, enquanto o segundo fala de sua vida como um todo. Se limitarmos a comparação unicamente em termos e quesitos cinematográficos, Dragão é bem melhor que A Origem, pois este peca por não ser historicamente preciso.


Uma das imprecisões históricas é a presença de Billy Magnussen como Steve McKee, um personagem que jamais existiu. Sua presença se justifica por dois motivos: para amarrar um romance com a bela Xiulan (a atriz chinesa Jingjing Qu) e também para promoção, pois Billy é um daqueles atores que, volta e meia, os produtores de cinema apostam sua fichas. Para se ter uma ideia, Billy já está escalado para a versão live action do desenho animado Aladin, dos estúdios Disney, com direção de Guy Ritchie (Sherlock Holmes e o Jogo de Sombras) e previsto para ser lançado em 2019.

Dragão, também fala da luta entre Bruce e Wong, mas, talvez por conveniência e para evitar alguma ação na justiça, o lutador que enfrenta Lee no filme chama-se Johnny Sun e é derrotado, tal como descrito no livro de Linda. Bruce dizia que o motivo dessa luta foi que a comunidade chinesa de San Francisco não queria que os brancos e negros aprendessem os segredos do Kung Fu e, como insistia em continuar com sua escola, enviaram Wong para lutar contra ele. É aí que a polêmica começa.

Ao contrário de Steve McKee, Wong Jack Man é uma pessoa real, está vivo até hoje (nasceu no mesmo ano que Bruce), tem uma academia de Kung Fu nos EUA na qual lecionou por 45 anos até aposentar-se, em 2005. Wong sempre contestou a versão de Bruce Lee, afirmando que nunca teve nada contra ensinar Kung Fu para os não-chineses e que foi lutar contra Lee devido ao desafio que este fez após uma exibição no bairro de Chinatown dizendo que poderia derrotar qualquer lutador em San Francisco.

E, como não poderia deixar de ser, tem uma perspectiva diferente da luta travada entre ambos. Enquanto a biografia escrita por Linda, dizia que a luta durou cerca de três minutos com vitória de Bruce, Wong afirma que, na verdade, a luta durou entre 20 e 25 minutos com vitória sua. Em uma entrevista a um jornal local, Wong contou a luta em detalhes e encerrou dizendo que poderiam fazer uma luta pública se Lee achasse a sua versão inaceitável. Bruce jamais deu uma resposta.

Anos depois, Wong disse estar arrependido de ter aceitado o desafio de Lee, atribuindo isso a arrogância de ambos.

Esse é o tipo de polêmica que enriquece uma lenda e que poderia ter sido explorada em A Origem. O que é estranho, pois os roteiristas do filme, a dupla Christopher Wilkinson e Stephen J. Rivele, são especialistas em escrever sobre as vidas de grandes personalidades como, por exemplo em Nixon (1995, no qual foram indicados ao Oscar) e Ali (2001). Mas, o roteiro fica no lugar comum, mais para um filme de aventuras do que um biográfico. 

Em seu segundo trabalho como diretor (o primeiro foi Agentes do Destino, em 2011), o produtor e roteirista George Nolfi (O Ultimato Bourne) apresenta um trabalho correto na direção, sobressaindo-se nas cenas de luta, principalmente na de Lee e Wong, mas não se sai muito bem em cenas de humor - no que contribuiu a falta de jeito para comédia de Magnussen aliado ao roteiro chocho de Wilkinson e Rivele. Porém, graças à bonita fotografia do iraniano Amir Mokri (Transformers: A Era da Extinção), consegue mostrar toda a beleza de San Francisco.

A trilha sonora composta a duas cabeças e quatro mãos pelo inglês Reza Safinia (A Sacada) e pelo estadunidense H. Scott Salinas (O Extermínio do Marfim) não chega a ser memorável, mas consegue dar o clima certo ao um típico filme de Kung Fu.

Jingjing Qu é bonita e dá para perceber que é boa atriz, mas, infelizmente, foi escalada para o ingrato papel de mocinha indefesa e interesse amoroso de Billy Magnussen, que ainda precisa provar se realmente merece a apostas que fazem nele...

Philip Ng é ainda muito pouco conhecido no Ocidente, mas já tem uma carreira de quase 15 anos na indústria de cinema de Hong Kong e quer fazer de A Origem, seu cartão de visitas para Hollywood. Como ator, não é melhor nem pior do que a maioria dos astros de ação, seja do Ocidente ou do Oriente, mas é bom lutador e, portanto, pode conseguir o seu espaço na América.

Xia Yu também tem uma longa carreira na China - 23 anos - e é o principal motivo para se ver A Origem do Dragão. Além de ser um grande artista marcial, é também um ator muito bom. Em 1994, conquistou o prêmio de Melhor Ator no prestigioso Festival de Veneza com o filme In The Heat of The Sun, ainda inédito no Brasil. A sua interpretação de Wong Jack Man dá um caráter sereno e nobre ao personagem em contraste com o arrogante e bruto Bruce Lee e isso faz com que, apesar da popularidade de Bruce, Wong se torne o verdadeiro herói do filme.

O outro motivo para assistir A Origem do Dragão é justamente o seu principal tema: a luta entre Bruce Lee e Wong Jack Man. Podem dizer o que quiserem sobre filmes de Kung Fu, mas a grande verdade é que os artistas marciais de Hong Kong são capazes de movimentos e coreografias que nenhum dublê de Hollywood  consegue reproduzir, por mais que tente. A luta é, de fato, espetacular, mas é pena que aconteça tão cedo ao invés de ser no grande final. Ao invés disso, foi colocada uma cena de luta de Bruce e Wong contra a máfia chinesa que raptou Xiulan - uma outra imprecisão histórica do filme.

A Origem do Dragão é impreciso historicamente? É. Tem falhas? Tem. Vale a pena assistir? Se você não for muito exigente e é daqueles que curte uma boa luta de Kung Fu, a resposta é: sim. Devido a isso e da história ser uma das várias lendas que cercam o imortal e fascinante Bruce Lee, é que fazem o filme se tornar uma boa diversão neste período de verão e de férias escolares no Brasil.

        FICHA TÉCNICA
  • Título Original: Birth of The Dragon
  • Direção: George Nolfi
  • Elenco: Philip Ng (Bruce Lee), Xia Yu (Wong Jack Man), Billy Magnussen (Steve McKee), Jingjing Qu (Xiulan)  
  • Fotografia: Amir Mokri
  • Música: Reza Safinia e H. Scott Salinas
  • Duração: 89 minutos
  • Ano: 2016
  • Estreia no Brasil: 28/12/2017

RESUMO DO FILME
Uma luta entre o artista marcial Bruce Lee e o Mestre Shaolin Wong Jack Man irá decidir o destino de ambos.
COTAÇÃO
                 ½

              Veja aqui o trailer oficial de A Origem do Dragão (dublado - HD):



E, para matar as saudades, veja este vídeo com 10 cenas selecionadas dos filmes de Bruce Lee (original em inglês):



Publicado no LinkedIn, em 27/12/2017, e no Adoro Cinema, em 03/01/2018.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Crítica: O Poder e O Impossível | Homem x Natureza


Verdade seja dita: o bicho-homem sempre se sentiu desconfortável em meio à natureza. Sempre teve dificuldades em interagir em um local ermo e o clima e os animais que vivem lá. As cidades que vemos atualmente, principalmente as grandes metrópoles tais como São Paulo, Nova York, Moscou, Xangai, Tóquio, entre outras, são a prova disso. É uma tentativa do ser humano de submeter a natureza à sua vontade por meio de concreto, aço e vidro.

Porém, mesmo em megalópoles, a natureza mostra quem realmente manda. Para quem não acredita, basta ver, por exemplo, as chuvas torrenciais que todos anos caem em São Paulo, na época do verão, causando inundações que os governos locais não conseguem conter por mais obras públicas que realizem (e, em todas as eleições, aparece um político demagogo e coxinha prometendo "acelerar" a solução do problema).

O bicho-homem não consegue entender que a mãe natureza, na verdade, está a enviar um recado: "Conviva em harmonia comigo ao invés de lutar contra mim". Mas o orgulho humano é grande demais...

Eric LeMarque (Josh Harnett, da série Penny Dreadful) é um ex-jogador de hóquei no gelo, que deixou esse esporte e tornou-se um praticante de snowboard (uma espécie de "surf na neve"), vive sempre no limite e é viciado em drogas (principalmente em metanfetamina, também conhecida como "cristal" e que, segundo o Dr. Drauzio Varella, tem ocupado o lugar da heroína na Europa). O seu estilo de vida fez com que sofresse um acidente de automóvel e fosse preso. Sua mãe, Susan (Mira Sorvino, de Romy e Michele), deu-lhe uma última oportunidade de se redimir com ela: deve ficar limpo das drogas e comparecer ao tribunal para o julgamento do acidente.

Eric vai passar um fim-de-semana em uma cabana nas montanhas para descansar e refletir. Depois de acordar, decide praticar um pouco de snowboard e, no caminho conhece a guarda florestal Sarah (Sarah Dumont, de Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi). Durante sua descida pela montanha, Eric é surpreendido por uma grande nevasca, perde-se e inicia uma desesperada luta pela sobrevivência.

As artes sempre retrataram o embate homem x natureza. Na literatura, o exemplo mais famoso é o do clássico Robinson Crusoé, escrito pelo inglês Daniel Defoe (1660-1731), no qual nos é contada a história do personagem-título que sofreu um naufrágio, ficou muitos anos perdido, lutou para adaptar-se à sua nova situação sozinho até encontrar o indígena Sexta-Feira e, por fim, voltar ao seu lar. O livro fez um sucesso enorme e teve várias adaptações para o cinema, em filmes e desenhos animados, sendo que uma das mais recentes foi em 1997, estrelada pelo irlandês Pierce Brosnan (franquia James Bond 007).  O romance de Defoe também inspirou o grande sucesso Náufrago, lançado em 2000, estrelado por Tom Hanks (Forrest Gump) e com direção de Robert Zemeckis (A Travessia).

Outro exemplo recente de filme desse embate é 127 Horas (2010), de Danny Boyle (Trainspotting), com James Franco (franquia Homem-Aranha) à frente do elenco e indicado para três Globos de Ouro e seis Oscars. O filme é baseado na autobiografia do alpinista Aron Ralston que, durante uma prática de alpinismo, ficou preso em uma rocha e foi obrigado a cometer atos extremos, o que incluía a automutilação.

É com premissa semelhante à dos filmes acima citados que O Poder e O Impossível se apresenta ao público. O filme é também baseado em uma autobiografia, a de Eric LeMarque (escrita com a colaboração do jornalista Davin Seay), um ex-atleta olímpico (jogou na seleção de hóquei no gelo da França nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994) com uma infância difícil, que incluía um pai extremamente exigente (Jason Cottle, de Ato de Valor) que abandonou a família quando Eric ainda era criança.

A premissa não parece manjada, ela é manjada: jovem perde o rumo na vida e se afunda nas drogas. E quando, logo no início do filme, aparece uma citação da Epístola de Paulo aos Romanos, começa-se a pensar de se tratar de um filme evangélico, aliado por uma cena de leitura da Bíblia Sagrada por Susan, em outra cena na qual aparece um Eric revoltado pedindo explicações a Deus ("O que quer de mim?") e reforçado pelo título em português, mas acaba por sair pela tangente.

O diretor e ex-dublê Scott Waugh (Need For Speed - O Filme) aproveitou sua experiência em substituir atores nas tomadas mais perigosas e fez boas cenas de snowboarding, mas, no geral, seu trabalho na direção do filme é bastante convencional. Não compromete, mas também não mostra nada que já não tenha sido mostrado antes, até mesmo nas surpresas.

A fotografia de Michael Svitak também vai pela trilha do convencional com paisagens bonitas, mas banais e peca em algumas cenas por ser muito escura.

O elenco coadjuvante também foi contaminado por esse "vírus" do convencional. Jason Cottle está apenas adequado ao papel de pai tirano que exige tudo e algo mais do filho; enquanto Sarah Dumont está bonita, mas apagada, com presença meramente discreta.

O que salva o filme do total convencionalismo são as atuações do elenco principal.

Mira Sorvino é um nome consagrado desde a conquista do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, em 1995, por Poderosa Afrodite e confirma as perspectivas com uma boa atuação no papel de Susan LeMarque: uma mãe amorosa e sensível. Mira não precisa apelar para qualquer tipo de pieguice e apresenta uma performance honesta e sincera. O que ás vezes fica difícil de engolir é que ela seja a mãe de Josh Harnett no filme, pois a diferença de idade entre ambos é de apenas 11 anos.

Assim como Mira, Josh Harnett tem uma performance honesta e sincera. E graças a essa atuação, somada ao carisma de seu intérprete, é difícil não simpatizar com Eric, mesmo sendo alguém de vida tão turbulenta e com atitudes por vezes questionáveis. Há três cenas de Josh que, para mim, se destacam: ao ter uma miragem (sim, também há miragens em climas frios), o desespero de Eric em recuperar o "cristal" quando caiu no lago, e ao comer sua própria carne congelada.  Em todas essas cenas, assim como no restante do filme, atuou sempre de modo crível, mostrando muita competência.

É preciso dizer uma coisa sobre Josh Harnett: ele poderia ter sido um superastro de Hollywood, e sua carreira caminhava nessa direção com sucessos como Pearl Harbour e Falcão Negro em Perigo. Não quis. Preferiu ser mais ator e menos astro dedicando-se ao teatro (trabalhou em uma adaptação do filme Rain Man, de 1988, no papel de Charlie Babbitt, feito originalmente por Tom Cruise) e ao cinema independente, seja na atuação ou na produção (aliás, O Poder e O Impossível é uma produção independente com Josh como um dos produtores). E, sabem de uma coisa? Ele acertou.

Quem já leu minhas críticas anteriores sabem o que penso dos títulos nacionais dados aos filmes estrangeiros. Está certo que o título original pode não ser muito atrativo (6 Below: Miracle On The Mountain, em uma tradução livre, significa 6 Abaixo de Zero: Milagre na Montanha), mas o título brasileiro consegue ser ainda pior!

Apesar de seu convencionalismo - salvo por Josh e Mira - O Poder e O Impossível cumpre seu objetivo em contar a experiência de Eric LeMarque (que aparece no final com as sequelas dessa mesma experiência), e é um tipo de filme que agrada ao público brasileiro com sua história de luta pela sobrevivência, superação e redenção após passar por grandes sofrimentos (uma característica que tem em comum com 127 Horas). A platéia irá, de uma forma geral, sair satisfeita das salas de cinema, mesmo que esta película não seja uma obra-prima.


FICHA TÉCNICA
  • Título Original: 6 Below: Miracle On The Mountain
  • Direção: Scott Waugh
  • Elenco: Josh Harnett (Eric LeMarque), Mira Sorvino (Susan LeMarque), Sarah Dumont (Sarah), Jason Cottle (David LeMarque)  
  • Fotografia: Michael Svitak
  • Duração: 98 minutos
  • Ano: 2017
  • Estreia no Brasil: 14/12/2017

              RESUMO DO FILME
O esportista Eric LeMarque perde-se durante uma nevas ca nas montanhas e inicia uma luta desesperada pela sobrevivência.
COTAÇÃO
                   ½

Veja aqui o trailer oficial de O Poder e O Impossível (dublado - HD):

Publicado no LinkedIn, em 12/12/2017, e no Adoro Cinema, em 03/01/2018.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Dica de Cinema | Exibição Gratuita de O Jovem Karl Marx


Panorama do Cinema volta com mais uma Dica de Cinema, para assistir bons filmes a um bom preço.

A nossa dica de hoje vai para o filme O Jovem Karl Marx, que conta a história da juventude do filósofo e economista alemão e do seu amigo Friedrich Engels. O filme tem a direção de Raoul Peck (Eu Não Sou Seu Negro) e com August Diehl (Trem Noturno Para Lisboa) e Stefan Konarske (Valerian e a Cidade dos Mil Planetas) nos papeis principais.

O evento é organizado pelo Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito (GPMD), dedicado ao estudo, sistematização e divulgação da crítica marxista ao Direito e coordenado por bacharéis e estudantes da Universidade de São Paulo (USP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Antes da exibição do filme, haverá uma intervenção do professor aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP) Márcio Bilharinho Naves, que contará sobre a trajetória de Marx e Engels.

O evento terá lugar no Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP), localizado na Rua Abolição 167, Bela Vista, São Paulo - SP, no dia 09/12/2017, às 17 horas. A entrada é gratuita.

Veja aqui o trailer oficial de O Jovem Karl Marx (legendado - HD):




quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Crítica: Roda Gigante | Altos, Baixos e Decadências Giratórias


O lançamento de um novo filme de Woody Allen (Meia-Noite em Paris) é sempre um grande acontecimento tanto para críticos e cinéfilos quanto para o público em geral. Em seu novo filme, Roda Gigante, Allen retorna de Los Angeles, onde passou-se a trama de seu filme anterior, Café Society, à sua querida cidade de Nova York para tratar do assunto que conhece melhor: o relacionamento entre pessoas e, mais especificamente, entre homens e mulheres.

Na década de 1950, no balneário de Coney Island, local do conhecido parque de diversões, vivem o casal Ginny (Kate Winslet, de Titanic), que trabalha como garçonete, e Humpty (Jim Belushi, do seriado O Jim é Assim), que trabalha como operador do carrossel do parque de Coney Island, juntamente com o filho de Ginny, Richie (o ator infantil Jack Gore, de Somos o Que Somos), que tem a mania de por fogo em tudo. Ginny é uma mulher emocionalmente instável, com enxaquecas constantes, que leva uma vida muito frustrada. Um dia, aparece na lanchonete onde Ginny trabalha, a filha de Humpty, Carolina (Juno Temple, de Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge), que estava ser ver o pai há mais de cinco anos por ter se casado com um gangster e agora foge do ex-marido porque sabe demais sobre seus crimes. Nesse meio-tempo, Ginny conhece Mickey Rubin (o cantor Pop Justin Timberlake, de Alpha Dog), um mestrando de teatro europeu que trabalha como salva-vidas durante as férias de verão e inicia um caso com ele. Porém, Carolina também conhece Mickey e ocorre uma atração mútua.

Assim como em A Rosa Púrpura do Cairo (1985) e A Era do Rádio (1987), Allen inspirou-se nas memórias de sua infância e juventude para criar a história de Roda Gigante. Mas, ao contrário destes filmes anteriores, quase não há humor, somente algumas risadas isoladas assemelhando-se, nesse aspecto, a um filme seu mais recente, Homem Irracional (2015 - veja a crítica aqui). Um dos poucos momentos de risos é com Richie, o filho piromaníaco de Ginny, colocando fogo em vários lugares: praia, escola, consultório médico, etc. Porém, tão logo percebe-se o que isso representa,  as risadas cessam.

A escolha do parque de diversões de Coney Island como cenário deste novo filme sério de Woody Allen, não foi casual. Inaugurado no final do século XIX, fez bastante sucesso com o público das cidades de Nova York e Nova Jérsei tendo a roda gigante como seu símbolo mais conhecido até iniciar sua decadência logo após a Segunda Guerra Mundial, com o fechamento de várias atrações e a venda dos terrenos onde estavam (um desses terrenos chegou a ser comprado pelo empreiteiro e empresário do ramo imobiliário Fred Trump, pai do atual presidente dos EUA, Donald Trump), a frequência de gente mal encarada e nada recomendável e chegou ao fundo do poço no início da década de 1980. Mickey, que é o narrador da história, por várias vezes chama a atenção dos espectadores sobre essa decadência do parque, que acaba por atingir as pessoas que trabalham e vivem no local.

O que Roda Gigante mostra com propriedade sobre essa época é que apesar de alguns anos antes terem saídos vitoriosos do conflito mundial contra as forças do Eixo, emergido como superpotência ao lado da União Soviética e estarem em um período de prosperidade material,  os EUA também passavam por uma decadência, mas esta de ordem moral, que acompanhava a de Coney Island e que estende-se até os dias de hoje com um comportamento racista, xenófobo, homofóbico e misógino e que não se importa com que os outros países digam. "América primeiro", é o slogan usado...

Tendo sido uma atriz fracassada em sua juventude - quando também teve um caso amoroso que lhe custou seu primeiro casamento - Ginny espelha essa decadência e, no fundo, sabe disso. Ela vê no jovem e romântico aspirante a teatrólogo uma chance de escapar dessa situação e da vida sem perspectivas que leva, mesmo que isso igualmente custe o seu segundo casamento e que afete alguma pessoa inocente. Se alguém pensou "ela primeiro", não é mera coincidência.

Mas, apesar dessa falta de ética pessoal, é possível identificar-se com os sentimentos de Ginny, pois quem já não se sentiu frustrado e triste por um sonho não realizado ou um amor não correspondido? Porém, o seu egoísmo reflete em seu karma, o que faz com que queira mandar tudo para o espaço e  negligencie os que estão à sua volta.

Kate Winslet tem uma performance simplesmente fantástica em Roda Gigante. A sua atuação faz com que a tradicional personagem "mulher à beira de um ataque de nervos", que aparece tanto em dramas como em comédias, tenha sua definição definitiva que nenhum filme de Pedro Almodóvar (Volver) seria capaz de mostrar. Ela consegue ser depressiva e sexy ao mesmo tempo e de um modo em que iguais e opostos se repelem e se atraem - não necessariamente nessa ordem. Esse papel valeu a Kate o prêmio de Melhor Atriz no Hollywood Film Awards, em novembro último. Não estranhem se ela receber uma indicação ao Oscar, pois seria mais do que merecida.

Não foi a primeira vez que Woody Allen quis trabalhar com Kate Winslet. Ele a queria como protagonista de seu filme Match Point (2005), mas, na ocasião, Kate declinou do convite para tratar de assuntos familiares. O filme é considerado uma das obras-primas de Allen. Imaginem se Kate tivesse aceito o convite...

Já o par romântico de Kate no filme , Justin Timberlake é o oposto. Woody Allen costuma acertar na escolha do elenco de seus filmes, mas errou desta vez ao escolher o cantor. A atuação de Justin em si não compromete, mas dá para notar que ele está nitidamente deslocado tanto como galã quanto como narrador da história e não convence como autor de teatro e intelectual. Mesmo em uma parte decisiva do filme, em que Mickey descobre um terrível ato de Ginny, ele não consegue passar os sentimentos necessários para uma cena tão dramática como essa. Usar um ator com uma forte formação teatral como Luke Treadaway (Um Gato de Rua Chamado Bob), teria resultado melhor.

Juno Temple foi uma aposta de Allen. Assim como Justin, sua atuação não compromete, mas ao contrário dele, ela está à vontade e consegue convencer como a filha sem juízo de Humpty que se arrepende do erros passados, tenta mudar de vida com a ajuda do pai e se relacionar bem com a sua nova família. Woody apostou e ganhou.

Para mim, a grande e agradável surpresa do filme foi Jim Belushi, que está ótimo no papel do bronco e balofo Humpty. O irmão do saudoso John Belushi (Os Irmãos Cara-de-Pau) faz do seu personagem alguém rude e terno, daqueles capaz de dar uma bofetada no pequeno Richie por este ter-lhe roubado cinquenta centavos para ir ao cinema e, simultaneamente, fazer os maiores sacrifícios para que Carolina estude e tenha um futuro. Assim como Juno, Jim está perfeitamente à vontade em seu papel. Conhecido mais pelas comédias, revelou-se um competente ator dramático. Eu, pessoalmente, torço para que ele ganhe uma indicação ou mesmo um prêmio em algum festival.

A direção de Woody Allen está segura como sempre, refletida na atuação de seu elenco - com exceção de Timberlake - e no clima ao alongo do filme mesclando com maestria romance, melancolia, humor (mesmo que em doses minúsculas) e drama. É um dos raros cineastas dos EUA capazes de retratarem a classe trabalhadora estadunidense em sua alma e coração, sonhos e desilusões, amores e ódios sem pieguismo nem concessões, no que é auxiliado aqui pela bela fotografia do italiano Vittorio Storaro (Apocalypse Now), com quem já havia trabalhado em Café Society e com quem já trabalha em seu próximo filme, Um Dia Chuvoso em Nova York, com previsão de lançamento em 2018.

Dizem que a vida é feita de altos e baixos como uma montanha-russa. Porém, ao se assistir Roda Gigante, vemos que, na verdade se assemelha mais a esse enorme e icônico brinquedo (que, em 2018, irá completar o seu centenário!) do parque de diversões de Coney Island, no qual os altos e baixos - assim como a decadência - estão em uma giratória constante e infinita.

Roda Gigante é um drama com toques de uma tragédia grega ou de Eugene O'Neill (citado por Mickey e Ginny ao longo do filme) que, por vezes resulta amargo e desesperançoso, mas que ainda assim consegue ter um pouco de poesia nessa amargura e desesperança - lembrando que nem toda poesia é romântica e/ ou otimista. No ano em que se completa o 40 aniversário de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, o filme que o consagrou como gênio do cinema e da comédia, Woody Allen apresenta mais uma pequena pérola em sua já longa carreira de cineasta. Se tornará um clássico? O tempo o dirá, mas são as pequenas pérolas que fazem um colar ficar grande.


FICHA TÉCNICA
  • Título Original: Wonder Wheel
  • Direção: Woody Allen
  • Elenco: Kate Winslet (Ginny), Justin Timberlake (Mickey Rubin), Juno Temple (Carolina), Jim Belushi (Humpty), Jack Gore (Richie)  
  • Fotografia: Vittorio Storaro
  • Duração: 101 minutos
  • Ano: 2017
  • Estréia no Brasil: 28/12/2017
RESUMO DO FILME
Ginny é a esposa de Humpty, um operador de carrossel no parque de diversões de Coney Island. Um dia, ela conhece o salva-vidas Mickey e se apaixona por ele. De repente, a filha há muito afastada de Humpty, Carolina, reaparece, fugindo de um gangster com quem se casou e também repara em Mickey.
COTAÇÃO
              

Veja aqui o trailer oficial de Roda Gigante (legendado - HD):

Publicado no LinkedIn, em 07/12/2017, e no Adoro Cinema, em 03/01/2018.