quarta-feira, 23 de maio de 2018

Crítica: Colheita Amarga | Dramalhão com pretensão de ser épico


Yuri (Max Irons, de A Mulher de Ouro) é um jovem oriundo de uma família de cossacos de uma aldeia no interior da  Ucrânia que, ao contrário de seu pai e seu avô, Ivan (Terence Stamp, de Priscila, a Rainha do Deserto), prefere as artes às armas. Desde criança é apaixonado por Nathalka (Samantha Barks, de Les Misérables), com quem se casa. 

Devido à política de coletivização forçada de fazendas imposta pelo sanguinário ditador da URSS, Josef Stálin (Gary Oliver, da série de TV Games of Thrones), que gera uma grande fome no país, é forçado a ir para Kiev para trabalhar e enviar dinheiro para a família enquanto estuda na faculdade de Belas Artes. A aldeia é tiranizada pelo cruel oficial Serguei (Tamer Hassan, de A Promessa) e Yuri volta para lutar e salvar sua família.

Antes de passarmos à crítica propriamente dita, é importante saber alguns fatos históricos para uma melhor compreensão da análise do filme.

Ao longo da história, as relações entre Ucrânia e Rússia sempre foram tensas, seja no tempo do czares, quanto no período soviético e, atualmente, como país independente e postulante à União Européia (UE). Essa tensão aumentou ainda mais com a anexação da Criméia pela Rússia, em 2014.

Colheita Amarga fala de uma grande tragédia ocorrida na Ucrânia entre 1932 e 1933, que passou à história com o nome de Holodomor, termo que vem de "Морити голодом" (''mor'yty g'holod'om"), tem como raiz etimológica as palavras ''holod'' (fome) e ''moryty'' (matar através de privações, esfaimar), que significa "matar pela fome".

Após o triunfo da Revolução Russa de 1917, o governo liderado por Vladimir Lênin (1870-1924) assinou vários decretos nesse mesmo ano. Dentre estes estava a Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia, a qual dizia que povos de etnia não-russa tinham o direito à sua autodeterminação, separarem-se da Rússia e terem seus próprios Estados independentes. Vários povos declararam a sua independência e estabeleceram seus países, dentre estes a Ucrânia, em janeiro de 1918.

Porém, esse período de independência ucraniana foi breve. Mal havia saído da I Guerra Mundial, a Rússia entrou em uma Guerra Civil, em 1918, que durou até 1921. Em 1919, A Ucrânia tornou-se uma república socialista e foi unida à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), quando esta foi criada, em 1922. Apesar disso, o ideal nacional ucraniano sobreviveu e sua língua e cultura conheceram uma época de florescimento, graças à política soviética de nacionalidades.

Lênin sofreu por três vezes um ataque vascular cerebral (AVC), que deteriorou muito a sua saúde. Mesmo doente, ele expressou sua preocupação ao aumento da burocratização dentro do Partido Comunista (PC) e oposição ao crescimento do poder de Josef Stálin (1878-1953).  

O Pai da Revolução faleceu em 1924, e, no seu testamento, recomendou expressamente o afastamento de Stálin do Comitê Central (CC) e do cargo de secretário-geral do partido e que esse mesmo cargo fosse passado para Leon Trótski (1879-1940), o criador e organizador do Exército Vermelho, a quem julgava mais capaz de liderar a URSS.

Porém, Stálin, que tinha a astúcia de uma raposa, foi mais rápido, consolidou seu poder graças à burocracia do PC, baniu Trótski e tornou-se senhor absoluto da URSS impondo a sua visão de Socialismo, que era diferente de Lênin. Essa visão incluía a industrialização acelerada - muitas vezes sem nenhum critério e com prazos irreais - e a coletivização forçada das terras cultiváveis.

Como os camponeses da Ucrânia resistiam a essa política, Stálin - que culpava os nacionalistas, agentes poloneses e os "Kulaks" (camponeses ricos) - decidiu usar a fome, provocada de modo artificial, para "dar uma lição aos camponeses". "Koba" (alcunha do tirano) sabia que a população rural (cerca de 80% do total na época) era a espinha dorsal no nacionalismo ucraniano.

Devido à fome, muitos camponeses migraram para as áreas metropolitanas, mas, ainda assim, pereciam famintos nas ruas. Literalmente. Há muitas fotos daquele tempo que mostram pessoas mortas nas vias públicas da capital, Kiev, e de outras cidades. Estima-se que o número de vítimas do Holodomor foi entre três e cinco milhões de pessoas.

Colheita Amarga é um produção canadense que foi rodada totalmente na Ucrânia. O ator canadense de ascendência ucraniana, Richard Bachysnky Hoover (Vingança Sem Limite), ficou obcecado com a história do Holodomor após uma visita ao país. Descobriu que, além dos próprios filmes ucranianos como Famine-33 (1991) e O Guia (2014), não havia nenhum outro filme que falasse sobre a tragédia, principalmente em inglês.

Após falar com o investidor Ian Ihnatowycz, também um canadense descendentes de ucranianos, conseguiu um orçamento de U$ 21 milhões para fazer o filme. O diretor escolhido foi George Mendeluk (do telefilme O Enxame), mais um vindo de família ucraniana. Mendeluck e Hoover escreveram o roteiro baseado em uma história criada pelo ator.

É aí que começam os problemas. Embora seja louvável a iniciativa de contar a história dessa tragédia ao mundo, o roteiro de Hooper - um estreante na função - é capenga, com falta de impacto emocional, sendo mais um dramalhão que não funciona muito bem. E a direção de Mendeluk não passa de banal, sem nenhum momento marcante.

Colheita Amarga salva-se por seu elenco competente. Filho do grande ator Jeremy Irons (Liga da Justiça), Max Irons mostra que está aprendendo bem as lições de seu pai. É de fato, bom ator e, diante do roteiro e direção medíocres, consegue dar sensibilidade ao seu personagem. 

Tal qual Max, Samantha Barks também salva-se graças à sua performance e beleza. O veterano Terence Stamp dá a dignidade necessária ao patriarca do clã cossaco. Aos 79 anos de idade, o experiente astro está em grande forma artística - e até mesmo física, como demonstram nas cenas em que anda a cavalo. 

Quem surpreende agradavelmente é Gary Oliver no papel de Stálin. Ele convence bastante no papel do ditador, com uma atuação acima da média, e, mesmo aparecendo pouco, faz sentir a sua presença ao longo do filme a ponto de, até mesmo, roubar as cenas dos principais protagonistas ainda que nunca apareça junto deles.

O vilão de Tamer Hassan, Serguei, segue a batida fórmula do "vilão-malvado-que-tem-o-fim-merecido", mas também tem boa atuação de seu intérprete. O restante do elenco não compromete.

A fotografia de Douglas Milsone (Nascido Para Matar) é boa e consegue captar toda a beleza da flora ucraniana. A reprodução de época é bem competente, mas a trilha sonora de Benjamin Wallfisch (Blade Runner 2049) mostra falta de inspiração.

Colheita Amarga é um filme que tinha a pretensão de ser épico (dá para perceber que a produção é caprichada), mas não consegue nem mesmo funcionar direito como dramalhão e, muito menos ainda, como denúncia do genocídio perpetrado pelo carniceiro Stálin, o que é uma pena, pois as vítimas da fome mereciam algo muito melhor do que este infeliz e pretencioso filme.



FICHA TÉCNICA
  • Título Original: Bitter Harvest
  • Direção: George Mendeluk
  • Elenco: Max Irons (Yuri), Samantha Barks (Nathalka), Terence Stamp (Ivan), Tamer Hassan (Serguei), Gary Oliver (Stalin)
  • RoteiroRichard Bachynsky Hoover, George Mendeluk
  • Música: Benjamin Wallfisch
  • Fotografia: Douglas Milsome
  • Duração: 103 minutos
  • Ano: 2017
  • Lançamento comercial no Brasil: 24/05/2018

RESUMO DO FILME
Yuri é um jovem artista em uma família de cossacos da Ucrânia. Quando o Exército Vermelho, a mando de Stalin, invade seu país e muda a sua vida ele precisa lutar para salvar sua família

          COTAÇÃO
          ✪ ✪ 


Veja aqui o trailer oficial de Colheita Amarga (legendado - HD):



Publicado no LinkedIn e no AdoroCinema em 26/05/2018.

Nenhum comentário:

Postar um comentário