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sábado, 26 de janeiro de 2019

Crítica: Vice | O poder do quieto



OSCAR 2019: venceu na categoria de melhor maquiagem e cabelo.

Dick Chaney (Christian Bale, de Batman, o Cavaleiro das Trevas) é um típico sulista interiorano do estado de Wyoming, EUA: passa a maior parte de seu tempo bebendo, brigando e metendo-se em confusões, mesmo sendo um tipo calado, e tem um emprego modesto. Uma noite, sua esposa, Lynne (Amy Adams, de O Homem de Aço), após tirá-lo novamente da cadeia, dá-lhe um ultimato: ou endireita-se ou ela vai embora. Dick promete endireitar-se. Ele forma-se na universidade, vai para a capital estadunidense, Washington D. C., e lá conhece Donald Rumsfeld (Steve Carell, de Agente 86), político do conservador Partido Republicano, começa a trabalhar para ele e, assim, inicia sua própria carreira na política. 

Anos depois, quando já é um político conhecido e um próspero empresário, é convidado pelo então candidato presidencial, George W. Bush (Sam Rockwell, de Três Anúncios Para Um Crime), para ser o vice-presidente de sua chapa. Dick, a princípio, recusa, mas depois aceita o convite, em um decisão que irá mudar sua vida e a história dos EUA e do mundo.

Em 2012, a consultora de negócios e escritora Susan Cain, publicou um livro de auto-ajuda - mais um entre tantos outros, mas que fez sucesso em um mercado hipersaturado - intitulado O Poder dos Quietos: Como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar (título original Quiet: The power of introverts in a world that can't stop speaking), no qual, ao contrário do que muitas pessoas crêem, pessoas reservadas, tímidas e/ou introvertidas são pessoas altamente capazes e competentes em seus afazeres, profissões e relacionamentos sociais apesar de suas características pessoais ou, como a autora afirma categoricamente, graças a elas.

No prefácio da obra, escrito pelo tambem escritor e administrador de empresas Max Gehriger, há um trecho que diz:

"O introvertido e uma pessoa sensível que sente-se confortável tendo a si mesmo como companhia. Ele quer entender o que passa-se ao seu redor, mas não sente a necessidade de alardear seus pontos de vista. Entre um filósofo em causa própria e um alienado social, ele encaixa-se perfeitamente na primeira definição, mas a arbitrariedade das convenções tende a empurra-lo para a segunda. Porque, ao buscar líderes em seus quadros, a maioria das empresas parece confundir liderança com autopromoção e exuberância. O introvertido sabe que dificilmente será o general que sai brandindo a espada a frente de suas tropas, mas tem tudo para ser o estrategista cujo plano garantirá a vitória na batalha". 

Este trecho combina a perfeição com o provérbio que aparece nos primeiros minutos de Vice e que é fundamental para a compreensão da película: 

"Cuidado com o homem quieto. Enquanto os outros falam, ele observa. Enquanto os outros agem, ele planeja. E quando os outros finalmente descansam, ele ataca". 

Vice não é o primeiro filme a tratar do governo de George W. Bush. Anteriormente houve o filme W. (2008), do cineasta Oliver Stone (Snowden: Herói ou Traidor?), com Josh Brolin (Vingadores - Guerra Infinita) à frente do elenco. Também há o documentário Fahrenheit 11 de Setembro (2004), do polêmico e genial diretor e documentarista Michael Moore, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.

A diferença está na ênfase dada a uma personagem tida como secundária - tanto nos filmes de Stone e Moore quanto na vida real. Dick Chaney concentrou em suas mãos um poder enorme que nenhum outro vice-presidente estadunidense teve antes nem depois dele.

Vice mostra o estilo Chaney de fazer política: cerebral, calculista, paciente, sem chamar a atenção até agir nos momentos certos e com precisão, fiel ao seu estilo quieto, reservado e introvertido. Um estilo que faz seus supostos superiores - primeiro Rumsfeld e depois Bush - serem meros peões em seu intrincado jogo de xadrez sem parecerem e sem ninguém perceber que são!

Na recente premiação do Globo de Ouro, Vice concorreu na categoria "comédia ou musical". Não acho a definição correta. Embora tenha vários momentos de humor, o filme, definitivamente, não é uma comédia. Na verdade, é um filme de difícil classificação: um drama biográfico em estilo de documentário (com narrador incluso) com tons humorísticos.

Ao assistir Vice, constantemente lembrava-me dos já citados Oliver Stone e, principalmente, Michael Moore. Mas, o diretor Adam McKay (A Grande Aposta), também autor do roteiro, não fez um pastiche desses cineastas, longe disso. McKay realizou um trabalho de direção extremamente criativo, inventivo, irônico e provocativo. Esse trabalho valeu-lhe justas indicações de melhor diretor no Globo de Ouro e no Oscar, além de uma indicação de melhor roteiro original neste último e no Bafta (o Oscar britânico).

Christian Bale engordou 40 kg para encarnar Dick Chaney. Conseguiu quebrar o recorde de Robert De Niro, que engordou 25 kg para interpretar o boxeador Jake La Motta, já decadente, no filme Touro Indomável (1980). 

Sua interpretação do ex-vice-presidente estadunidense é esplêndida. Bale consegue reproduzir com perfeição Dick Chaney em todas as suas contradições: o falso bonachão conservador sempre na dele, mas de olhos e ouvidos atentos, que usa métodos legais, ilegais e maquiavélicos para atingir seus fins. Ama sua família, mas não hesita em machucar os sentimentos da filha lésbica, Mary (Alison Pill, de Meia-noite em Paris), para auxiliar a filha mais velha, Lizzie (Lily Rabe, da série American Horror Story), que inicia sua própria carreira política.

O "desabafo" de Dick Cheney quase ao final do filme é o ponto alto da performance de Bale em Vice. Sua fala mistura cinismo com sinceridade - ele acredita piamente no que diz - e soa tão arrogante e convincente que tem todas as chances de ser daquelas cenas para entrar para a história do cinema. O Oscar deste ano tem candidatos fortíssimos ao prêmio de melhor ator, mas, para mim, Bale (que já ganhou o Globo de Ouro deste ano) ainda tem um ligeiro favoritismo.

A interpretação de Lynne Chaney por Amy Adams também mostra as contradições da segunda-dama dos EUA: uma típica mulher sulista caseira, mas de personalidade forte e tão gananciosa e maquiavélica quanto o marido. Amy está ótima no papel, mas acho difícil tirar o prêmio de melhor atriz de Glenn Close em A Esposa (veja a crítica aqui). Porém, se tirar, não será de todo injusto.

Steve Carell está seguindo o mesmo caminho trilhado por Tom Hanks (Apolo 13): transformando-se de comediante em ator sério, mas sem perder o humor. O seu Donald Rumsfeld é o anti-Chaney: arrogante, exibido, barulhento e nada discreto, em uma atuação muito boa. A continuar assim, o Oscar será uma questão de tempo.

Sam Rockwell já tem a sua estatueta e tem todas as chances de conseguir mais uma com sua interpretação de George W. Bush, o ex-bêbado bronco que nada mais é que uma marionete manipulada por Dick Chaney a seu bel-prazer.

E não podemos esquecer Jesse Plemons (Aliança do Crime), muito bom em seu papel como Kurt, que narra a toda a história e representa a classe trabalhadora estadunidense que sofre diretamente as consequências do governo Chaney, isto é, Bush, e tem uma ligação surpreendente com o vice-presidente.

Assim como nos documentários de Michael Moore, Vice também mostra as falcatruas da administração Bush - e de Chaney, em particular - além da manipulação da opinião pública pela imprensa conservadora, principalmente o canal Fox News, símbolo dessa imprensa e dessa administração. Impagável é a cena, também no final, no qual um há um debate em grupo sobre o "viés liberal" do filme e a discussão entre dois debatedores, sendo um deles eleitor do atual e infame presidente dos EUA, Donald Trump.

Vice é um filme ousado, que cutuca feridas ainda não totalmente cicatrizadas e incomoda, por isso corre o risco de ser esnobado na cerimônia do Oscar que se aproxima. Porém, é daqueles filmes que, mesmo daqui a 100 anos, ainda continuará atual, pois sua premissa sobre "gurus" de presidentes da república não é, e nem nunca será, mera coincidência. Especialmente se for do tipo quieto...


FICHA TÉCNICA
  • Título Original: Vice
  • Direção: Adam McKay
  • Elenco: Christian Bale (Dick Cheney), Amy Adams (Lynne Chaney), Steve Carell (Donald Rumsfeld), Sam Rockwell (George W. Bush), Alison Pill (Mary Cheney), Lily Rabe (Liz Chaney), Jesse Plemons (Kurt, o narrador)
  • RoteiroAdam McKay
  • Fotografia: Greig Fraser
  • Duração: 132 minutos
  • Ano: 2018
  • Lançamento comercial no Brasil: 31/01/2019

RESUMO DO FILME
A trajetória de Dick Cheney que, de um bêbado brigão, tornou-se o mais poderoso vice-presidente da história dos EUA e como sua visão e decisões políticas afetaram o mundo durante o governo do presidente George W. Bush.

COTAÇÃO
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Veja aqui o trailer oficial de Vice (legendado - HD):


Publicado no LinkedIn em 30/01/2019 e no AdoroCinema em 31/01/2019.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Cinemateca de Cuba homenageia The Beatles


Entre 16 e 20 de janeiro a Cinemateca de Cuba fará uma homenagem ao grupo de Rock inglês The Beatles em razão do Dia Mundial The Beatles, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 16 de janeiro de 2013.

Cuba é um dos países latino-americanos que rende homenagem à banda formada por John Lennon (1940-1980), Paul McCartney (1942- ), George Harrison (1943-2001) e Ringo Starr (1940- ) que revolucionou a música, a cultura e os costumes na década de 1960 e cuja influência faz-se sentir até os dias de hoje.

Em 2017, em Havana, foi realizado um concerto sinfônico ao ar livre que executou as músicas do álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), considerado a obra-prima do grupo, cujo cinquentenário de seu lançamento era celebrado naquele ano. E, na capital da ilha, há uma praça chamada John Lennon com uma estátua em honra do artista.

Durante "A Semana The Beatles" - nome do evento - vão ser exibidos os filmes A Hard Day's Night (1964, leia sobre o filme nesta matéria), Help! (1965) e, para o deleite das crianças, o desenho animado Submarino Amarelo (1968, que, por ocasião dos 50 anos de seu lançamento, foi novamente exibido nos cinemas. Veja aqui). Além disso, estarão à venda discos, CDs, DVDs, livros, camisetas, bottons e mais uma gama de produtos relacionados aos quatro meninos de Liverpool.

Veja aqui o trailer oficial de A Hard Day's Night (original em inglês - HD):


Veja aqui o trailer oficial de Help! (original em inglês):




Veja aqui o trailer oficial de Submarino Amarelo (original em inglês):



quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Bat in The Sun, a produtora dos crossovers mais irados da internet!


Crossover (literalmente cruzamento) é uma técnica literária na qual personagens de mídias diferentes - Histórias em Quadrinhos (HQs), filmes (cinema ou TV), literatura - são transportados de seus respectivos universos para um outro no qual convivem - nem sempre harmoniosamente, diga-se de passagem. O primeiro grande crossover deu-se em 1976 com a HQ Super-Homem vs Homem-Aranha, na qual o Homem de Aço e O Amigão da Vizinhança se uniram para salvar o mundo dos vilões Lex Luthor e Dr. Octopus. A partir daí, vários outros vieram tais como Batman vs Hulk, X-men vs Novos Titãs e, em 1996, talvez o mais famoso de todos, DC vs Marvel, na qual os personagens de ambas as editoras lutam para salvar o universo.

Então, um novo universo entrou em cena para modificar os crossovers: a internet.

Em 2001, o produtor Sean Schoenke, juntamente com seu filho o também produtor, além de cineasta, roteirista e ator, Aaron Schoenke, tiveram a ideia de criar uma produtora para fazer Fan Films, que são filmes, quase todos de curta-metragem, relacionados a obras existentes como as próprias HQs e filmes como as sagas Star Wars e Star Trek. São uma forma de artistas se expressarem e fazerem filmes que gostam sem fins lucrativos em sua maioria e que ganham cada vez mais espaço na internet. Nascia, então, a produtora Bat in The Sun (Morcego ao Sol, em tradução livre).

A estreia deu-se em 2003, com o filme Batman Beyond: Year One (Batman do Futuro: Ano Um), seguindo-se os elogiados Patient J (Paciente J, de 2005, que mostra o Coringa sendo entrevistado por um psicólogo), City of Scars (Cidade das Cicatrizes, 2010) e Seeds of Arkham (Sementes do Arkham, 2011), entre outros. Juntamente com a qualidade artística, esses Fan Films chamaram a atenção pela qualidade de produção e criação, mesmo com poucos recursos.

Em 2012, a Bat in The Sun lançou um filme chamado Super Power Beat Down, no qual aparecia um duelo inusitado: uma corrida entre o Batmóvel da série Batman, de 1966, e o Batmóvel do filme de 1989 para o cinema. O filme desse duelo "bombou" no YouTube e tornou-se um sucesso tão grande, que Aaron e seu pai decidiram criar uma série mostrando outros duelos.

Inspirados nos crossovers das HQs, os Schoenke fizeram filmes com os personagens da DC Comics enfrentando os da Marvel, combates esses que os fãs, até então só viram em revistas ou em sua imaginação. Personagens de filmes de cinema, TV e video games também foram fonte de inspiração. 

Surgiram filmes como Batman vs Wolverine, Asa Notuna vs Gambit, Ranger Branco vs Scorpion, Kick Ass vs Casey Jones, Homem de Ferro vs Optimus Prime e muitos outros. O resultado das lutas eram decididos pelos fãs em votação online. Se o resultado fosse muito apertado, surgiam os filmes com finais alternativos. 

Em Super Power Beat Down, temos a oportunidade de conhecer nomes novos e ainda pouco conhecidos tais como o ator Kevin Porter (série General Hospital), que já interpretou Batman e o Justiceiro; e a atriz e modelo russa radicada nos EUA Tatiana Dekhtyar (Tales of Frankenstein), que já interpretou a Mulher-Maravilha e Dominó. O próprio Aaron Schoenke ocasionalmente aparece como Asa Noturna ou o Coringa.

Panorama do Cinema fez uma seleção de vídeos da série Super Power Beat Down produzidos pela Bat in The Sun para que vocês, amantes do cinema, possam ver e apreciar esses Fan Films. Boa diversão!

Veja aqui o vídeo dos Batmobiles Racing (original em inglês - HD):


Veja aqui o vídeo de Super Power Beat Down Gandalf vs Darth Vader (legendado - HD):




Veja aqui o vídeo de Super Power Beat Down Superman vs Thor (legendado - HD):




Veja aqui o vídeo de Super Power Beat Down Justiceiro vs Capuz Vermelho (dublado - HD):




Veja aqui o vídeo de Super Power Beat Down Batman vs Darth Vader (legendado - HD):



Veja aqui o vídeo de Super Power Beat Down Mulher-Maravilha vs Wolverine (dublado - HD):




Veja aqui o vídeo de Super Power Beat Down Coringa & Arlequina vs Deadpool & Dominó (legendado):




Publicado no LinkedIn em 16/01/2019.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Crítica: A Esposa | A Hora e a Vez da Mulher Invisível


O ex-beatle John Lennon (1940-1980), em uma das várias entrevistas concedidas após a dissolução do grupo, disse que "Há sempre uma grande mulher atrás de cada idiota". Ao conhecer sua segunda esposa, a japonesa Yoko Ono (1933- ), o próprio John reconheceu que tornou-se mais feminista, pois Yoko abriu-lhe os olhos quanto ao machismo e a opressão que as mulheres sofrem em nossa sociedade até os dias de hoje, mesmo com as muitas conquistas obtidas por elas. Esse feminismo de Lennon está refletido na canção de autoria do casal, Woman is The Nigger of The World (A Mulher é o Negro do Mundo).

Em um daqueles casos no qual a vida imita a arte, a frase de Lennon pode ser encaixada na premissa d' A Esposa.

Joan Castleman (Glenn Close, de Ligações Perigosas) é a esposa do afamado escritor Joe Castleman (Jonathan Pryce, da franquia Piratas do Caribe), que foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura. Joseph conquista o prêmio e ele, Joan e o filho, David (Max Irons, de Colheita Amarga - Veja a crítica aqui), viajam para a capital da Suécia, Estocolmo, para receber o prêmio. No mesmo avião, segue o jornalista Nathaniel Bone (Christian Slater, de Jovens Demais Para Morrer) que insiste em escrever uma biografia de Joseph. Ao chegarem ao seu destino, vários fatos que lá ocorrem fazem com que Joan comece a questionar e repensar a sua vida com Joseph desde quando conheceram-se até aquele momento.

Baseado no romance da escritora Meg Wolitzer, A Esposa é uma produção independente que retrata um tema ainda muito em voga nos tempos atuais: a mulher posta em situação de inferioridade em relação ao homem independente de sua cor, raça, credo, origem, condição intelectual, social e/ou financeira.

Uma cena que retrata bem esse tema é quando a jovem Joan (Annie Starke, de A Beira do Abismo) vai pedir conselhos com a escritora Elaine Mozell (Elizabeth McGovern, da série Downton Abbey) e esta a desencoraja,  pois, mesmo sendo ela mesma uma autora talentosa, respeitada e de opiniões firmes, foi posta em um patamar abaixo dos autores masculinos.

O diretor sueco Björn Runge é pouco conhecido fora de sua terra natal, mas tem uma sólida carreira tanto no cinema quanto na TV locais. Chamou atenção ao conquistar o prêmio "Blue Angel" no Festival de Berlim, em 2003, com o filme Ao Romper do Dia. A Esposa é a sua primeira produção internacional de destaque na qual trabalha com grandes astros e estrelas (embora já tenha feito vários filmes com a sua conterrânea Pernilla August, da saga Star Wars).

Runge tem uma mão experiente e segura em seu trabalho de direção e faz o filme fluir bem, inclusive na transição para as cenas de flashback. A Estocolmo que mostra ao público é bela e fria, mas não de uma frieza indiferente, mas que envolve e toca as emoções. Nisso é ajudado pela bonita fotografia de Ulf Brantas (de Nós Somos as Melhores!).

Ainda que sem nenhuma intenção deliberada, Runge insere o feminismo de John Lennon na trama para que todos - em particular os homens - possam tanto acompanhar como compreender o sacrifício e a submissão de Joan a Joe desde que esse era um jovem professor universitário (vivido por Harry Lloyd, da série Game of Thrones).

No início, Joan nos passa a impressão que é um mulher  tímida e decididamente caseira, dedicada ao lar, os filhos, o marido ("Já tomou o seu remédio?") o qual, com sua personalidade dominadora, sempre a deixa sob sua sombra, como uma medíocre "mulher invisível". 

Porém, à medida que o filme corre, pode-se perceber que Joan é realmente tímida, mas não é "invísivel" ou medíocre - embora pareça assim aos parentes e amigos. É muito inteligente e tem tanta nobreza dentro de si que está disposta a fazer os maiores sacrifícios, o que incluía uma possível carreira brilhante como escritora em sua juventude, para apoiar a do marido. Por amor, fica submissa.

Joe é o idiota ao qual se referia Lennon. Carreirista, mulherengo, cínico e ganancioso, é o perfeito estereótipo do macho bobo que, com sua dominação sobre a mulher aliado ao seu carisma pessoal, consegue disfarçar seus defeitos de caráter e adquirir fama, mas, no fundo, sabe que ele é o medíocre ao invés de Joan.

Seu domínio tirânico atinge igualmente o filho, David que, apesar de estar a par de como o pai trata a ele e a mãe, quer desesperadamente seu amor e aprovação para que, assim, possa libertar-se da dominação paterna e ter sua própria vida e carreira.

Max Irons é daqueles atores que vão melhorando a cada filme e, em um curioso paralelo com seu personagem, deixa gradativamente de ser o filho de Jeremy Irons (Liga da Justiça) para ser um astro com brilho próprio. O mesmo vale para Annie Starke que - para aqueles que ainda não sabem - é filha de Glenn Close, e para Harry Lloyd, tetraneto (!) do escritor Charles Dickens (1812-1870).


Não é a primeira vez que Christian Slater interpreta um jornalista (fez um papel semelhante em Entrevista Com o Vampiro) que, aqui, é também uma mistura de biógrafo com paparazzo, doido para descobrir algum "podre" da família Castleman e incluí-lo no livro que quer escrever sobre Joe. Ele também é a ponte que leva o público a descobrir o segredo de Joe e Joan.

O inglês Jonathan Pryce foi uma ótima escolha para interpretar Joe Castleman. Mesmo fazendo bem o sotaque estadunidense (Joe é dessa nacionalidade), mantém a fleuma britânica, o que dá um toque blasé que aumenta a autenticidade do personagem interpretado.

Afinal, mas não por último, temos Glenn Close.

Atriz versátil e extremamente talentosa que interpreta com a mesma convicção personagens tão díspares como a psicopata sexy Alex Forrest, de Atração Fatal (1987); a rainha Gertrude, em Hamlet (1990); a primeira-dama dos EUA Marsha Dale, em Marte Ataca! (1996); e traveste-se em homem no filme Albert Nobbs (2011).

Em A Esposa, Glenn está na sua maturidade e no seu auge  como mulher e atriz em um trabalho magnífico de interpretação. Na cena em que Joe faz o discurso de agradecimento do Prêmio Nobel e o dedica a Joan, Glenn, sem dizer uma única palavra, consegue transmitir emoções tão fortes e conflitantes que é difícil não ficar impressionado e comovido.

Nesse conflito de emoções podemos perceber a grandeza da mulher que durante tantos anos acompanhou e apoiou um idiota e que, finalmente, liberta-se de sua "invisibilidade" e tem a sua hora e vez.

A atuação de Glenn já lhe valeu os prêmios de melhor atriz dramática no Satellite Awards, em 2018, e o Globo de Ouro deste ano, no qual derrotou a favorita Lady Gaga, de Nasce Uma Estrela (2018).

Falta o Oscar, prêmio para o qual já foi indicada seis vezes. Desta vez virá? Ainda é preciso aguardar as indicações, mas, se Glenn for indicada, atrevo-me a dizer que ela será a grande favorita ao prêmio. Porém, o Oscar é conhecido por suas injustiças...

A Esposa é um filme que leva a várias reflexoes sobre amor, casamento, solidão, machismo como intsrumento de opressão que atinge principalmente as mulheres, mas também minorias como a comunidade LGBT, afrodescendentes e os índios; e o feminismo como instrumento de compreensão das almas das mulheres.

Nesta era das trevas a qual vivemos atualmente e sob um governo fascista que quer destruir os direitos sociais que tão arduamente foram conquistados pelo povo, A Esposa é um filme que nos dá a certeza que a opressão e a tirania, por mais tempo que durem, inevitavelmente caem e nem mesmo uma "invisibilidade" imposta pode impedir essa queda.


FICHA TÉCNICA
  • Título Original: The Wife
  • Direção: Björn Runge
  • Elenco: Glenn Close (Joan Castleman), Jonathan Pryce (Joe Castleman), Christian Slater (Nathaniel Bone), Elizabeth McGovern (Elaine Mozell), Max Irons (David Castleman), Harry Lloyd (Joe Castleman jovem), Annie Starke (Joan Castleman jovem)
  • RoteiroJane Anderson (baseado no livro de Meg Wolitzer)
  • Fotografia: Ulf Brantas
  • Duração: 100 minutos
  • Ano: 2017
  • Lançamento comercial no Brasil: 10/01/2019

RESUMO DO FILME

Joan Castleman é a esposa do escritor Joe Castleman e, quando o marido ganha o Prêmio Nobel de literatura, Joan começa a fazer um balanço de sua vida.


COTAÇÃO
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Veja aqui o trailer oficial de A Esposa (legendado):


Publicado no AdoroCinema e no LinkedIn em 10/01/2019.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Manifesto | Apesar do novo "governo"...


...Panorama do Cinema deseja a todos um feliz 2019 e, de preferência,

#ForaBolsonaro

#BolsonaroOut