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sexta-feira, 28 de junho de 2019

Memória | O legado de Rubens Ewald Filho, o pai da crítica brasileira contemporânea


Faleceu em 21/06/2019, aos 74 anos, o mais famoso crítico de cinema brasileiro de sempre: Rubens Ewald Filho. Sua importância foi tão grande a ponto de ser impossível falar em cinema no Brasil, sem falar dele.

Rubens Ewald Filho nasceu no dia 7 de março de 1945, na cidade de Santos - SP. Quando criança, adquiriu o hábito de anotar em um caderno todos os dados a respeito de um filme (elenco, direção, etc), hábito que manteve até pouco antes de sua morte. Estima-se que ele tenha assistido mais de 37.500 filmes durante sua vida.

Começou sua carreira jornalística no jornal A Tribuna, em Santos. Logo foi para a televisão, começando na Rede Cultura, passando pela Redes Globo, SBT, Record e, em seus últimos anos, no canal pago TNT

Rubens Ewald Filho não foi o primeiro jornalista brasileiro a fazer a cobertura do Oscar, mas foi ele que ajudou a popularizar a transmissão do prêmio em nosso país. Além disso, ajudou a tornar de modo mais acessível ao grande público o significado de termos técnicos tais como cinematografia, montagem, entre outros.

Além da crítica, Rubens Ewald Filho também foi roteirista, adaptando obras literárias como Éramos Seis (de Maria José Dupré) e Iaiá Garcia (Machado de Assis) e, inspirado pelo romance Drácula (Bram Stoker), foi o autor da novela Drácula, Uma História de Amor, em 1980, primeiro na Rede Tupi (que, logo após o início da transmissão, seria extinta) e, depois no mesmo ano, para a Rede Bandeirantes com o nome de Um Homem Muito Especial.

Também trabalhou como ator em filmes, dentre estes Amor Estranho Amor (1982), de Walter Hugo Khouri (1929-2003), cineasta que muito admirava. Arriscou dirigir peças teatrais como Doce Veneno, baseado no livro O Doce Veneno do Escorpião, da escritora e ex-garota de programa Bruna Surfistinha.

Ainda foi curador de vários festivais tais como o Festival de Gramado (RS) e o Festival de Paulínia (SP) e ajudou na seleção e lançamento de filmes de grande repercussão. Não bastasse, ainda escreveu livros sobre a Sétima Arte tais como Dicionário de Cineastas, o Oscar e Eu e o popular guia de filmes da antiga revista Video News.

Rubens Ewald Filho esteve presente em minha vida desde a infância. Além das exibições das cerimônias do Oscar, lembro-me de suas críticas de filmes no Jornal Hoje, da Rede Globo, na década de 1970; e, na mesma época, como apresentador da série documental Isto é Hollywood (sobre filmes da 20th Century Fox), exibida pela Rede Cultura, onde depois apresentou outro programa - cujo nome não me recordo - onde fazia uma pequena análise do filme antes da sua exibição. Um desses filmes foi a comédia Queijo Suíço (1938) da dupla O Gordo & O Magro.

A primeira vez que o vi pessoalmente, foi em 2015, na "cabine" (sessão para críticos) do filme A Travessia (veja aqui). Fiquei surpreso em ver como ele era alto, quase tanto quanto um jogador de basquete ou volei. Tive vontade de falar com ele, mas, confesso, tive vergonha...

A segunda vez, foi no mesmo ano, na "cabine" de Hotel Transilvânia 2 (veja aqui). Novamente, a vergonha impediu-me de aproximar-me do crítico. A terceira vez foi em 2016, durante a cabine de Voando Alto (veja aqui). Ele estava sentado em uma mesa esperando como os outros críticos pelo início da "cabine". Desta vez, chutei a vergonha para escanteio e, como quem não quer nada, sentei-me próximo.

Começamos a conversar. Eu o via, ouvia e pensava: "Igualzinho como na TV". Pedi a opinião sobre o filme O Encontro, com Richard Gere (Gigolô Americano). Ele disse que não gostou e que esse tipo de filme estava manjado. Eu disse que tinha boas expectativas sobre Um Gato de Rua Chamado Bob (veja aqui), mas ele estava cético.

Também falei sobre o filme alemão Ele Está de Volta (veja aqui). Ele disse que ainda iria ver e ficou surpreso quando eu disse que o romance no qual o filme baseava-se foi publicado e era vendido no Brasil. Já quanto a Voando Alto, disse que havia sido bem recebido pela crítica do exterior (fiz uma pesquisa antes) e pareceu que o seu interesse foi desperto.

Bem, a "cabine" correu normalmente e, ao final dela, ele estava bem entusiasmado, elogiou a performance de Taron Egerton (franquia Kingsman) e disse que o fez lembrar dos seus velhos tempos - foi atleta em sua juventude. Eu também gostei muito do filme e fiquei feliz em saber que tínhamos a mesma opinião. 

Depois, só veria Rubens Ewald Filho rapidamente neste ano, na coletiva de imprensa do filme nacional Sai de Baixo. Eu ouvi falar mais uma vez dele quando do acidente que teve em uma escada rolante, quando teve um desmaio, caiu e foi internado em estado grave. Apesar disso, eu achava que ele sairia dessa, mas o destino tinha outros planos...

Como toda pessoa famosa também tinha suas polêmicas. Embora respeitado como crítico, não eram poucos os que achavam que seu estilo era ácido, embora eu pensasse que ele era irônico, mas, nos últimos anos, achei que suas críticas, com as exceções de praxe, estavam um tanto amargas.

Outra polêmica vieram de seus comentários da atriz estadunidense, Frances McDormand, e da atriz chilena trans Daniela Vega, que foram considerados grosseiros e preconceituosos e, como consequência, não participou da transmissão do Oscar deste ano. De minha parte, acho que esses erros ele os cometeu mais como homem do que como crítico. 

Influência para muitos críticos brasileiros, inclusive eu mesmo, Rubens Ewald Filho pode ser considerado, com justiça, o pai da crítica brasileira contemporânea. E nós, críticos de cinema "filhos do Rubens", temos como missão deixar o seu legado sempre vivo. Ele vai fazer falta. E como! Que descanse em paz.



Veja aqui uma entrevista com Rubens Ewald Filho, feita em 2018, para a agência Ethos Comunicação e Arte:



Publicado no LinkedIn em 28/06/2019.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Crítica: O Homem Que Matou Don Quixote | Quixote vive!


Miguel de Cervantes Saavedra, que passou à história com o nome de Miguel de Cervantes (1547-1616), é considerado o maior escritor de língua espanhola de sempre. Suas principais obras são Novelas Exemplares (publicado em 1613) e, a sua obra prima, O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha (publicado em duas partes: a primeira em 1605 e a segunda em 1615). 

Dom Quixote narra, em modo de paródia, a história desse fidalgo que perdeu a razão de tanto ler romances de cavalaria e pretendia imitar os feitos de seus heróis literários. Armado de lança e vestindo uma velha armadura, cavalgava um cavalo magro chamado Rocinante. Acompanhava-o em suas aventuras o fiel escudeiro Sancho Pança, sempre viajando em seu burrico. 

A dupla viveu várias aventuras - e muito mais desventuras. Enquanto Dom Quixote tinha uma visão idealista e sonhadora de tudo - como, por exemplo, na famosa cena a qual confunde moinhos de vento com gigantes -, Sancho Pança tinha a visão realista, representando o bom senso. Através do humor e da ironia, Cervantes criticava o mundo de então.

O livro foi, e ainda é, um grande sucesso, ultrapassando as fronteiras da Espanha, transformou-se em um clássico universal e as figuras do Cavaleiro da Triste Figura (alcunha de Dom Quixote) e de seu escudeiro tornaram-se extremamente populares. O termo "quixotesco" tornou-se sinônimo de alguém com intenções boas e ideais nobres, mas sonhador e afastado da realidade.

Toby Grisone (Adam Driver de Star Wars: Os Últimos Jedis. Veja a crítica aqui) é um cineasta talentoso, mas arrogante e mulherengo, que está na Espanha fazendo um filme para uma campanha comercial inspirado no livro Dom Quixote de La Mancha e envolve-se com Jacqui, a esposa (Olga Kurylenko, de 007 - Quantum of Solace) de seu chefe (Stellan Skarsgård, da franquia Thor). Um cigano (Óscar Jaenada, de Águas Rasas) vende a Toby um DVD de um filme chamado O Homem Que Matou Don Quixote que, por coincidência, foi o filme que fez também na Espanha quando ainda era estudante para a formatura de seu curso de cinema.

Depois de quase ser pego em flagrante junto com Jacqui pelo chefe, Toby decide ir para o pequeno povoado onde realizou O Homem Que Matou Don Quixote para encontrar inspiração e também algumas das pessoas que atuaram no filme. Descobre que a bonita Angélica (a portuguesa Joana Ribeiro, de O Caderno Negro), que interpretou Dulcinéia, foi embora do povoado. Também descobre que o intérprete de Dom Quixote, o sapateiro Javier (Jonathan Pryce, de A Esposa. Veja a crítica aqui), enlouqueceu e acredita ser o próprio personagem. 

Ao ver na estrada um letreiro escrito "Quixote vive", Toby segue a trilha e vê que Javier, vestido com a armadura de Dom Quixote, é explorado por uma velha em um cinema-poeira. Ao ver Toby, Javier o confunde com o escudeiro Sancho Pança, escapa do lugar, mas, durante a fuga, provoca um incêndio. Ao retornar ao local das filmagens, Toby é preso pela polícia acusado de ter provocado o incêndio no cinema-poeira. A partir daí, começa a sua bizarra aventura.

O livro de Miguel de Cervantes teve várias adaptações para o teatro, balé, ópera e, claro, cinema, sendo que uma das versões mais conhecidas é a do cineasta e ator Orson Welles (Cidadão Kane), que trabalhou no filme durante anos, teve várias interrupções devido à falta de verba para a produção e ficou inacabado. No papel de dom Quixote estava o ator espanhol Francisco Reiguera (Simão do Deserto) e no de Sancho Pança estava o russo Akim Tamiroff (Por Quem os Sinos Dobram).  Embora estivessem incompletas, as fitas foram posteriormente reunidas, montadas  e exibidas no Festival de Cannes, em 1992, com o nome de Dom Quixote, de Orson Welles

O Homem Que Matou Don Quixote é um filme que entrou para a história por razões semelhantes às do filme de Welles: foram várias tentativas frustradas de realização e produção, além de vários nomes envolvidos - além do próprio diretor Terry Gilliam (Os 12 Macacos) - como os intérpretes Jean Rochefort (Asterix e Obelix: Ao Serviço de Sua Majestade), Johnny Depp (franquia Piratas do Caribe), Vanessa Paradis (Rio, Eu Te amo), Robert Duvall (saga O Poderoso Chefão), Michael Palin (Um Peixe Chamado Wanda), John Hurt (V de Vingança) e Ewan McGregor (Moulin Rouge).

O Homem Que Matou Don Quixote inicia com uma auto-ironia "Após 25 anos de espera...". Mas, a espera valeu a pena? A resposta é: Depende do seu ponto vista.

Se você é daqueles que espera uma superprodução digna dos maiores estúdios de Hollywood ou um filme revolucionário, prepare-se para ficar decepcionado. O Homem Que Matou Don Quixote teve um custo de "apenas" U$ 16 milhões, baixo para padrões hollywoodianos. Não chega a ser revolucionário, mas é daqueles filmes que, com o passar do tempo e as posteriores revisões, tem tudo para tornar-se um Cult Movie.

O Homem Que Matou Don Quixote segue a linha de trabalhos anteriores de Gilliam, uma fantasia imaginativa na qual seus personagens andam por uma linha muito estreita que separa a sanidade da loucura. As críticas à sociedade materialista e seus interesses mesquinhos por dinheiro, fama, poder e sexo também são mantidas.

O Homem Que Matou Don Quixote por vezes lembra as produções do próprio Gilliam da década de 1980 tais como Bandidos do Tempo (1981) e As Aventuras do Barão de Munchausen (1988), daí a impressão de parecer "datado", mas trata-se do estilo do diretor. O ritmo é um pouco arrastado, o que pode cansar a platéia. 

Filmado na Espanha e em Portugal, O Homem Que Matou Don Quixote mostra fartamente as belas e variáveis paisagens da Península Ibérica que vão desde regiões semidesérticas a outras exuberantemente verdes, em um belo trabalho de fotografia do velho colaborador de Terry Gilliam, Nicola Pecorini (Ra.One).

Desde que iniciou o seu trabalho na saga Star Wars, Adam Driver vem sendo cada vez mais requisitado para novos filmes que mostram o seu grande talento de interpretação que, inclusive, lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante deste ano por Infiltrado na Klan (2018).

Porém, em O Homem Que Matou Don Quixote, ele parece um pouco deslocado. Sua atuação continua competente (embora em algumas cenas esteja exagerado), mas a impressão que deixa é que comédia não é a praia dele. Mas, ainda assim, a balança pende a favor.

Joana Ribeiro é ainda muito pouco conhecida fora de Portugal, mas mostra que é tão bonita quanto competente e, se conseguir mais  trabalhos de destaque, pode muito bem ter uma boa carreira internacional tal como sua predecessora, Maria de Medeiros (Pulp Fiction).

Quem dá um verdadeiro show e rouba todas as cenas em que aparece é, sem dúvida, Jonathan Pryce. Vencedor do prêmio de Melhor Ator em Cannes por Carrington (1995) e também um costumeiro colaborador de Gilliam, esse veterano e sempre ótimo ator do País de Gales está tão bem no papel-título que é difícil acreditar que ele não seja o próprio Dom Quixote!

Olga Kurylenko faz um papel um tanto ingrato como a mulher bonita e infiel do chefe que quer, a todo custo transar com o empregado de seu marido. Ingrato por não ser a primeira vez que interpreta esse tipo de personagem, mas não compromete, assim como o restante do elenco.

O Homem Que Matou Don Quixote teve sua première mundial no Festival de Cannes deste ano e teve críticas mornas da imprensa internacional. Pode ser considerado um trabalho menor de Gilliam, mas, para mim, sem ser uma obra-prima, é um bom filme que vai melhorar com o tempo. 

Seu maior mérito é mostrar, através do Cavaleiro da Triste Figura, que, se sonhar demais pode alienar-nos da realidade que nos cerca, inclusive a servir como uma espécie de fuga, viver sem um sonho é simplesmente horrível e triste, pois são os sonhos que nos tornam humanos e faz com que vida ainda valha a pena ser vivida.

Por tudo isso é que o engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha vive. E viverá para sempre!

FICHA TÉCNICA
  • Título Original: The Man Who Killed Don Quixote
  • Direção: Terry Gilliam
  • Elenco: Adam Driver (Toby Grisoni), Jonathan Pryce (Javier/Dom Quixote), Stellan Skarsgård (chefe de Toby), Olga Kurylenko (Jacqui), Joana Ribeiro (Angélica), Óscar Jaenada (o cigano)
  • RoteiroTerry Gilliam, Tony Grisoni
  • Música: Roque Baños
  • Fotografia: Nicola Pecorini
  • Duração: 132 minutos
  • Ano: 2018
  • Lançamento comercial no Brasil: 06/06/2019

          RESUMO DO FILME

Toby Grisoni, um talentoso e arrogante cineasta, dirige seu novo filme na Espanha, onde esteve dez anos antes como um estudante de cinema e fez seu primeiro filme usando os habitantes locais no elenco. Ao reencontrar com os antigos intérpretes desse filme, entra em uma aventura bizarra.
 
COTAÇÃO
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Veja aqui o trailer oficial de O Homem Que Matou Don Quixote (legendado - HD):


Publicado no AdoroCinema e no LinkedIn em 05/06/2019.