sábado, 21 de setembro de 2019

Crítica: Shazam! | O Molecão


No ano de 1974, um menino chamado Thaddeus Silvana (Ethan Pugiotto, de Casamento Grego 2) viaja de carro com seu pai, o milionário industrial Sr. Silvana (John Glover, da série Smallville), e seu irmão, Sid (Wayne Ward de Repo Men: Resgate de Órgãos).  Durante a viagem, Thaddeus é levado a um tipo de santuário onde vive o mago Shazam (Djimon Hounsou, de Amistad), que está muito velho e deseja passar seus poderes para outra pessoa continuar o combate contra os demônios dos Sete Pecados Capitais. Porém, embora Thaddeus fosse muito inteligente, Shazam percebeu que ele não era digno de receber os poderes, foi enviado de volta e, ao retornar, o carro sofre um acidente que deixa seu pai paralítico.

Billy Batson (Asher Angel, da série Andi Mack) é um garoto que já viveu em vários lares adotivos e é obcecado em encontrar sua mãe biológica, de quem se perdeu quando era criança. Billy ganha mais uma oportunidade de fixar-se em um lar de acolhimento, na Filadélfia, do bondoso Victor Vasquez (Cooper Andrews, de Covil de Ladrões) e sua esposa, a igualmente bondosa Rosa (Marta Milans, de Asher). Lá conhece seus irmãos adotivos, dentre eles, Freddie Freeman (Jack Dylan Grazer, de It: A Coisa) que, devido a uma queda, tem uma perna aleijada sendo obrigado a andar de muleta. 

Ao defender Freddie de dois valentões da escola, Billy foge pelo metrô e, de repente, vê-se no santuário do mago Shazam, que o escolheu para receber seus poderes. O mago pede a Billy que repita seu nome e, ao fazê-lo, transforma-se em um homem adulto (Zachary Levi, da série Chuck) com poderes e habilidades de um verdadeiro super-herói. Poderes e habilidades essas que precisará utilizar contra o agora crescido Thaddeus Silvana (Mark Strong, da franquia Kingsman) que, após anos de busca, encontrou o santuário de Shazam e libertou os demônios dos Sete Pecados Capitais.

Vendo o sucesso de super-heróis tais como Batman e Superman, da National Comics (atual DC Comics), a editora Fawcett Publications decidiu entrar no ramo das histórias em quadrinhos (HQs). Em 1939, os editores pediram ao roteirista Bill Parker (1911-1963) e ao desenhista C. C. Beck (1910-1989) que criassem um personagem para a revista que iriam lançar. A princípio, o personagem seria chamado de "Captain Thunder" ("Capitão Trovão"), mas como já havia um personagem com esse nome, decidiram por chamá-lo de Capitão Marvel - Marvel é uma abreviatura de "marvellous", que significa "maravilhoso".

Capitão Marvel fez sua estreia nas HQs na revista "Whiz Comics", em 1940. O personagem já usava o uniforme que conhecemos hoje: roupa vermelha com o desenho de um relâmpago no peito e uma capa branca curta. Seu rosto foi inspirado no ator Fred MacMurray (Se Meu Apartamento Falasse), popular à época. E também já dizia a palavra mágica SHAZAM, que é formada pelas iniciais de grandes imortais de onde o o alter-ego de Billy Batson ganha os seus poderes:
  • Salomão: sabedoria
  • Hécules: força
  • Atlas: vigor
  • Zeus: poder
  • Aquiles: coragem
  • Mercúrio: velocidade
As histórias do Capitão Marvel inovavam por, pela primeira vez, um super-herói ter uma família (Batman e Superman, entre outros, eram órfãos ou de família desfeita). Billy Batson, que julgava-se sozinho no mundo, descobre que tem um irmã gêmea, Mary, que tem poderes idênticos aos dele. Um amigo, o humilde jornaleiro Freddie Freeman cuja vida o Capitão Marvel salvou, torna-se um tipo de "irmão de criação" de Billy e Mary e também o Capitão Marvel Jr. Há também o tio Dudley, um farsante simpático que chama a si mesmo de Tio Marvel e, por fim, os primos Tenentes Marvel que, vejam só, chamam-se todos Billy Batson (distinguiam-se uns dos outros pelos apelidos de "alto", "das montanhas" e "gordo")! Essa família ficou conhecida como "Família Marvel".

O sucesso do Capitão Marvel foi imediato e esse sucesso nas HQs fez com que, em 1941, suas aventuras fossem levadas para as telas do cinema em um seriado de 12 episódios, muito comum nas décadas de 1930 e 1940 e que fazia a delícia dos espectadores. Em As Aventuras do Capitão Marvel, o herói era interpretado por Tom Tyler (No Tempo das Diligências) e Billy Batson era vivido por  Frank Coghlan Jr. (A Casa Infernal).

Cartaz do seriado As Aventuras do Capitão Marvel (1941)

As vendas do gibi do Capitão Marvel subiram tanto que superaram ninguém menos que o do Superman, o que fez a National Comics ficar com a pulga atrás da orelha, tanto que abriu um processo contra a Fawcett Comics alegando que o Mortal Mais Poderoso do Mundo era uma cópia descarada do Homem de Aço, o que soava absurdo tanto naquela época como hoje em dia. 

O fato é que o processo arrastou-se por vários anos até que, em 1953, devido a isso assim como às baixas vendas, a Fawcett Comics encerrou a publicação do gibi. Durante vinte anos os fãs do Capitão tiveram que contentar-se com as edições antigas. Em dezembro de 1967, a editora Marvel Comics, capitaneada pelo saudoso Stan Lee (1922-2018), lançou um personagem que chamava-se... Capitão Marvel! Este outro capitão era um alienígena guerreiro do planeta Kree e seu verdadeiro nome era Mar-Vell! Isso se deve ao fato da editora ter comprado os direitos do nome e, logo em seguida, lançou o gibi homônimo.

A DC Comics - novo nome da National Comics - licenciou a família Marvel original em 1972 e, no ano seguinte, lançou a revista Shazam! (no Brasil, foi lançada em 1974 pela antiga editora EBAL), pois não poderia lançar com o nome do herói visto que a concorrente já o fizera, mas colocou um provocativo subtítulo: "O Capitão Marvel original", o que provocou uma ameaça de processo por conta da Marvel Comics.

Edição brasileira da revista Shazam! publicada pela EBAL (1974)

Em 1974, a Filmation, antiga produtora de desenhos animados, séries e filmes, lançou o seriado de TV Shazam!, no qual Billy Batson era vivido por Michael Gray (Bobby Jo and The Good Time Band) e o Capitão Marvel foi interpretado primeiro por Jackson Bostwick (Tron) e, depois, por John Davey (Três Mulheres). A série apresentava um novo personagem, o Mentor (Les Tremayne, de A Guerra dos Mundos), um senhor que acompanhava Billy em suas aventuras. Shazam! durou três temporadas e teve 28 episódios.

Em 1979, os estúdios Hanna-Barbera produziram um filme para a TV chamado Legend of The Superheroes, no qual o Capitão (interpretado por Garrett Craig, da série O Homem do Fundo do Mar)  fazia parte da Liga da Justiça junto de heróis como Batman & Robin (o igualmente saudoso Adam West e Burt Ward, do seriado Batman, da década de 1960) e Lanterna Verde (Howard Murphy, da série CHiPs) e enfrentava um horda de vilões na qual estava incluso seu arqui-inimigo Dr. Silvana (Howard Morris, de Splash: Uma Sereia em Minha Vida).

A Filmation voltou a trabalhar com a família Marvel, desta vez em um série em desenho animado chamada Shazam!, que foi exibida em 1981 e 1982 (no Brasil em 1983) com todos os personagens originais. Foi, até então, a representação mais fiel dessa HQ.

Os direitos dos personagens só seriam adquiridos em definitivo em 1991, foram devidamente incorporados ao universo DC e o alter-ego de Billy Batson ainda usava o nome de Capitão Marvel. A partir de 2011, passou a ser chamado apenas de Shazam, nome usado tanto nas HQs quanto nos desenhos animados produzidos desde então. E neste filme? Sim e não, como veremos mais adiante.

O diretor David F. Sandberg (Quando as Luzes se Apagam), mais conhecido por filmes de terror como os da franquia Annabelle, fez o seu primeiro filme de super-heróis e não saiu-se mal. Ele conseguiu entrar no espírito das HQs originais e sua direção, ao mesmo tempo leve e dinâmica, conseguiu captar a fantasia e o humor que essas mesmas histórias tem. 

Dois bons exemplos desse humor são de duas cenas que mostram as conhecidas obsessões dos adolescentes nos EUA: comprar cerveja na loja de conveniência e assistir um show de striptease. É impossível não rir nesses momentos. Também são hilárias as tentativas de Freddy de tentar "batizar" o super-herói no qual Billy transformou-se.

Um parêntesis sobre Freddy Freeman: como foi visto acima, nas HQs ele era o Capitão Marvel Jr. Assim como seu amigo e "irmão de criação", também tornou-se muito popular e ganhou gibi próprio devido a fatores como ter um uniforme diferente, ter uma palavra mágica diferente ("Capitão Marvel!") e manter a aparência de adolescente.

Para que tenha-se uma ideia de como o Capitão Marvel Jr. era popular, ele tinha fãs ilustres como o Rei do Rock, Elvis Presley (1936-1977), que gostava tanto do alter-ego de Freddy Freeman, que chegou a copiar seu corte de cabelo! Outro fã famoso é o desenhista e ilustrador francês Albert Uderzo (1927- ), o grande criador de Asterix (veja aqui). Antes de desenhar o célebre guerreiro gaulês e sua turma, Uderzo desenhou e publicou na França a sua versão do Capitão Marvel Jr. com razoável sucesso.

Voltando para Shazam!, e mais especificamente ao nome do herói em quem Billy transforma-se, foi uma boa sacada não batizá-lo ainda, pois se o garoto disser que seu nome é SHAZAM, ele volta a ser um menino e, se estiver em situação de perigo, torna-se uma "roubada". E visto que Billy não gostou de nenhuma das sugestões de Freddy, fica mantido o interesse para a sequência (que já está confirmada): qual será o nome escolhido?

O elenco da série de TV Shazam! (1974)

Podem chamar-me de teimoso e cabeçudo, mas, para mim, o alter-ego de Billy Batson era, é, e sempre será CAPITÃO MARVEL, com todo respeito a Brie Larson (O Quarto de Jack) e a personagem que interpreta no filme Capitã Marvel (2019). Confesso que não assisti a esse filme, mas as opiniões que ouvi estavam divididas: a performance de Brie foi elogiada, por outro lado, há aqueles que disseram que a Capitã "é bonita, mas fria". 

Alguns críticos queixaram-se da fotografia escura do filme, a cargo de Maxime Alexandre (A Freira). Nas cenas noturnas, a fotografia, de fato, está um pouco escura, mas nada que atrapalhe para assistir a obra. Essa é uma tendência que vem sendo seguida desde o lançamento do mal compreendido Batman vs Superman (2016), mas não chega a ser novidade. O cineasta Tim Burton (Ed Wood) já usava esse recurso em filmes como Batman (1989) e no seu trabalho mais recente, Dumbo (2019). O seriado Titãs (2018- ) e O Mundo Sombrio de Sabrina (2018- ) também seguem essa linha.

Um ponto do filme que achei fraco foi sua trilha sonora, a cargo do inglês Benjamin Wallfisch (It), um apadrinhado do compositor alemão Hans Zimmer (Interestelar). A impressão que tive é que Benjamim estava pouco inspirado, pois não há nenhum trecho que seja fácil de lembrar e identificar só de ouvir.

Em contrapartida, o elenco é o ponto forte do filme, a começar pelo intérprete de Billy, Asher Angel. Ele é um garoto talentoso, simpático, engraçado e consegue passar todas essas características para a platéia. Agradou tanto que o produtores querem fazer a sequência para ontem, antes Asher cresça e corra o risco de perder essas mesmas características. 

Zachary Levi já havia demonstrado na TV durante as cinco temporadas do seriado Chuck (2007-2012) e mais recentemente na série A Maravilhosa Sra. Meisel (2017- ) pela qual ganhou neste ano o prêmio Screen Actors Guild de "Melhor Elenco em Série de Comédia", o seu talento tanto de comediante como de ator. 

Em Shazam!, dá para perceber que não só ele entrou no espírito do filme como também diverte-se pacas no papel - e nós com ele! Ele  está bem à vontade no papel e faz deste super-herói um molecão bagunceiro, do tipo que vive aprontando, mas é tão simpático que fica difícil zangar-se com ele.

Muitas pessoas conhecem Mark Strong Como o agente Merlin nos filmes da franquia Kingsman, por isso surpreenderam-se em vê-lo como vilão - e, diga-se de passagem, um vilão daqueles bem malvados. Porém, não é novidade para Mark, pois já havia interpretado anteriormente o igualmente ótimo vilão Lorde Henry Blackwood em Sherlock Holmes (2009), dirigido por Guy Ritchie (O Agente da U.N.C.L.E. Veja a crítica aqui) e com Robert Downey Jr. (franquia Homem de Ferro) no papel principal. Seja como herói ou como vilão, Mark atua com a mesma convicção.

Jack Dylan Grazer está no mesmo nível de Asher: é igualmente talentoso, simpático e engraçado. Se ele tivesse sido escolhido para o papel de Billy ao invés de Freddie, seria justo e não faria Shazam! cair de qualidade.

Do elenco coadjuvante quem destaca-se e chegar a "roubar" as cenas nas quais aparece, é Faithe Herman (série This is Us) no papel de Darla. Ela é simplesmente uma graçinha e fofa que só, capaz de amolecer o coração mais duro. Tomara que quando  crescer ela não perca essa graça e fofura.

Grace Fulton (franquia Annabelle) está correta como Mary, mas, levando-se em conta a importância da personagem nas HQs e na futura sequência, esperava mais. 

Já Cooper Andrews e Marta Milans estão bem e convencem como os pais adotivos modernos, amorosos e compreensíveis, mas, quando preciso, dão aquela bronca quando a molecada faz das suas.

A princípio parece que os personagens  de Ian Chen (Juntos Para Sempre) e Jovan Armand (Girl Flu) são estereotipados - o chinêsinho nerd viciado em games e o gorducho tímido e calado. Podem até ser, mas isso não é posto de um modo preconceituoso ou depreciativo, mas como representantes de minorias raciais e sociais perseguidas, incompreendidas e tidos como párias. Porém, como Augusto Matraga, brilhante criação do escritor brasileiro Guimarães Rosa (1908-1967), ambos tem sua hora e vez.

Chamar os demônios de Sete Pecados Capitais não está errado, mas, para mim, usar um termo religioso soou um pouco moralista. Seria melhor ter usado a denominação que é dada a eles nas HQs: Os Sete Inimigos Mortais do Homem. É pomposo? É, mas penso ser mais didático para crianças pequenas. Por fim, acho que deveriam ter feito os demônios representarem melhor seus caráteres: preguiça, preguiçoso; cobiça, ganancioso; etc.

Shazam! é diversão pura, mas não deixa de ter mensagens importantes: uma família não se define por laços de sangue, mas por laços de amor; ser diferente não é errado, a tolerância leva a um convívio melhor e, por conseguinte, a um mundo melhor. 

E levando-se em conta que atualmente vivemos em uma era das trevas na qual ódio, intolerância, preconceito e ignorância estão, infelizmente, em alta, as mensagens de Shazam! além de importantes, são imprescindíveis.


FICHA TÉCNICA
  • Título Original: Shazam!
  • Direção: David F. Sandberg
  • Elenco: Zachary Levi (Shazam / Capitão Marvel), Asher Angel (Billy Batson), Mark Strong (Dr. Thaddeus Silvana), Djimon Hounsou (Mago Shazam), Jack Dylan Grazer (Freddie Freeman), Grace Fulton (Mary Bromfield), Ian Chen (Eugene Choi), Jovan Armand (Pedro Peña), Faithe Herman (Darla Dudley), Cooper Andrews (Victor Vasquez), Marta Milans (Rosa Vasquez), Adam Brody (Freddie transformado), Michele Borth (Mary transformada), Ross Butler (Eugene transformado), D. J. Coltrona (Pedro transformado), Meagan Good (Darla transformada)
  • RoteiroHenry Gayden, Darren Lemke
  • Música: Benjamin Wallfisch
  • Fotografia: Maxime Alexandre
  • Duração: 132 minutos
  • Ano: 2019
  • Lançamento comercial no Brasil: 04/04/2019

          RESUMO DO FILME

Após receber os poderes do mago Shazam, Billy Batson transforma-se em um super-herói ao dizer a palavra mágica e deve enfrentar o Dr. Silvana e os demônios dos Sete Pecados Capitais.
 
COTAÇÃO
✪✪✪✪½

Veja aqui o primeiro episódio da série cinematográfica As Aventuras do Capitão Marvel (legendado):



Veja aqui o trailer oficial de Shazam! (dublado - HD):



Publicado no LinkedIn e no AdoroCinema em 

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